SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse nesta terça-feira (19) que talvez Vladimir Putin não queira fazer um acordo para acabar com Guerra da Ucrânia, embora ele acredite no contrário.

A afirmação foi feita em uma entrevista à Fox News, um dia depois de o americano anunciar que prepara um encontro entre Putin e Volodimir Zelenski para as próximas duas semanas, do qual ele se ofereceu para participar. Trump passou a segunda (18) reunido com o ucraniano e seis líderes europeus na Casa Branca.

A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, reafirmou que Putin aceitou encontrar-se com o rival, mas há diversas dúvidas acerca de como e quando isso ocorrerá. O chanceler russo, Serguei Lavrov, afirmou que esse tipo de reunião demanda longo preparo.

O presidente não detalhou, mas disse novamente que Putin enfrentará “uma situação difícil” se optar pela guerra. Anteriormente, havia ameaçado impor sanções secundárias a países que compram petróleo e derivados russos, como China e Brasil —já o fez com a Índia. Mas usou a pressão para reaproximar-se do colega.

“Eu não acho que será um problema, para ser honesto, eu acho que Putin está cansado [da guerra]. Eu acho que todos estão cansados, mas você nunca sabe. Vamos descobrir sobre o presidente Putin nas próximas duas semanas. É possível que ele não queira um acordo”, afirmou.

“Vocês sabem, é preciso de dois para dançar um tango. Eles [Putin e Zelenski] têm de ter algum tipo de relação. De outra forma, estamos só perdendo um monte de tempo, e eu não quero isso. Quero apenas acabar [a guerra]. Se eu puder salvar 7.000 pessoas de serem mortas por semana, eu quero tentar e ir para o céu se possível”, disse.

Sobre Zelenski, Trump disse acreditar que ele “fará o que for preciso” para encerrar o conflito. O morde-e-assopra em relação a Putin, de quem adotou boa parte das posições após a cúpula realizada na sexta (15) no Alasca, é típica do processo negocial do americano.

Isso tudo se soma ao turbilhão de dúvidas práticas que se colocou à frente da perspectiva de algum acordo para cessar o maior conflito em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial.

Elas vão da definição das chamadas garantias de segurança a Kiev ao tamanho da perda territorial que os ucranianos terão de aceitar, passando pelo país que receberia uma cúpula com os três presidentes, anunciada na segunda por Trump após reunião com Zelenski e seis líderes europeus, finalizada com uma ligação só do americano a Putin.

Em nome da comitiva que esteve em Washington, o premiê britânico, Keir Starmer, o presidente francês, Emmanuel Macron, e o premiê alemão, Friedrich Merz, conversaram virtualmente nesta terça (19) com representantes de todos os países da União Europeia, em encontro do Conselho Europeu.

Reunidos em Helsinque, chanceleres de países nórdicos expressaram cautela sobre o ritmo imposto por Trump às conversas. “Não há decisões até aqui sobre o cronograma geral ou as contribuições individuais”, disse a ministra finlandesa Elina Valtonen. Sua colega Maria Malmer Stenergard, da Suécia, afirmou que seu país está à disposição para colaborar, mas não sabe como.

As garantias visam impedir que Putin volte a invadir a Ucrânia, como fez em 2022, após haver a paz com o vizinho. Kiev e países como França e Reino Unido queriam uma força de paz europeia em solo, o que o Kremlin veta.

Na cúpula com o russo, Trump ouviu de Putin que ele estaria disposto a aceitar um mecanismo semelhante ao que existe entre membros da Otan, no qual qualquer 1 dos 32 membros da aliança militar que for atacado será defendido por todos.

A ideia foi ventilada inicialmente por Giorgia Meloni, a premiê italiana, que é próxima do republicano. Na segunda (18), de sua forma tipicamente vaga e confusa, Trump disse que os EUA iriam colaborar para o que chamou de “primeira linha de defesa da Ucrânia” a ser exercida pelos europeus.

Já nesta terça, ele sugeriu que os países do continente “estão dispostos a colocar gente em solo”. “Estamos dispostos a ajudá-los com coisas, provavelmente, se falamos de apoio aéreo, porque ninguém tem as coisas que nós temos”, disse, de forma novamente pouco precisa. Depois, afirmou que os EUA serão os “coordenadores” da discussão sobre as garantias, que serão debatidas por chefes militares da Otan já nesta quarta (20).

Na véspera, o Kremlin havia reiterado, ante interpretações de que isso poderia significar o envio de tropas, que não aceitaria forças da Otan em solo ucraniano —forçar a neutralidade militar do vizinho foi o principal motivo alegado para a guerra.

O fato é que ninguém sabe ainda como será feito o arranjo, salvo a bastante plausível hipótese de que Putin tenha passado uma receita que lhe é palatável a Trump no Alasca. Esse é um temor entre os europeus e ucranianos.

Seja como for, a chancelaria em Kiev anunciou nesta terça que “já está trabalhando” na proposta de garantias, sem revelar detalhes.

Nesta terça, o chanceler Lavrov reiterou que a paz só será alcançada com perdas para a Ucrânia, que Trump trata pelo eufemismo “troca territorial”. Ele também falou nesses termos, mas ambos sabem que Putin não tem nada a oferecer além de áreas que ocupa da própria Ucrânia e que não fazem parte de seu cardápio de demandas, entregue por escrito há meses.

Hoje os russos ocupam quase 20% do vizinho, contando aí os 4,5% que já dominavam da península da Crimeia, anexada em 2014. Segundo Trump, Putin ofereceu congelar as linhas de batalha nas duas regiões ao sul nas quais tem 70% do controle em troca de ficar com a totalidade de Donetsk (leste), onde também tem 70% de domínio.

Em troca, sairia dos bolsões que ocupa em Sumi e Kharkiv, no norte. Na prática, devolveria 440 km2 e ganharia 6.600 km2, o que por óbvio não agrada Zelenski. Na segunda, o ucraniano insistiu que questões territoriais só seriam discutidas frente a frente com Putin.

Por fim, entre tantas outras questões secundárias em debate, há o local do encontro que Trump quer promover com os rivais. Genebra foi ventilada por Macron, mas os russos não a consideram neutra depois que a Suíça promoveu uma reunião fracassada de paz sem convidar Moscou no ano retrasado.

Integrantes do governo americano testaram, em conversa anônima com a agência Reuters, a Hungria como possibilidade. Aqui o problema é contrário, já que o premiê Viktor Orbán, próximo de Trump, é amigo de Putin e mantém boas relações com Moscou, usualmente divergindo de seus colegas de Otan e União Europeia.

Já a agência France Presse disse que Putin sugeriu Moscou no telefonema da segunda, mas Zelenski não topou. Por sua vez, o New York Times disse que Trump também não aceitou a oferta, e o site Politico afirma que o russo prefere encontrar-se com o rival sozinho. A Casa Branca afirmou sem detalhar que os preparativos para a bilateral, sem citar a presença do republicano, estão sendo feitas.

Em solo, a guerra continua. Os russos atingiram com mísseis na madrugada desta terça (19) uma importante refinaria em Kramatorsk, na parte de Donetsk ainda sob controle ucraniano. Houve ataques com drones de lado a lado também.