SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo da FGV (Fundação Getulio Vargas) encomendado por empresas de capital aberto aponta que a isenção a dividendos pagos por empresas, aplicada a partir de 1996, teve efeito benéfico para o valor de mercado dessas companhias, aumentou a distribuição de lucros, que também cresceram em valores, e manteve estável o reinvestimento.
Quase 30 anos depois da reforma que acabou com a tributação de lucros e dividendos, a cobrança de imposto sobre esses rendimentos volta a ser discutida, agora como fonte de receita para que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) consiga cumprir a promessa livrar os que ganham até R$ 5.000 de pagar IR. A proposta em andamento na Câmara prevê a retenção na fonte de 10% para dividendos a partir de R$ 50 mil e também para os valores pagos a estrangeiros ou àqueles que não moram no Brasil.
A possibilidade de essa tributação ser retomada preocupa empresas, e especialistas apontam para o risco de uma retração no interesse estrangeiro pelo Brasil, agravado pelo clima de guerra comercial com os Estados Unidos impondo sobretaxa de 50% às exportações brasileiras.
A equipe econômica tem defendido em encontros com o setor produtivo que os investidores estrangeiros e não residentes não terão para onde fugir, pois a maioria dos países já tributa esses rendimentos.
O problema, diz Gustavo Carmona, líder de Serviços Tributários e de Transações Internacionais da EY Brasil, é propor um Imposto de Renda de 10%, retido na fonte, sem repensar a tributação da pessoa jurídica, incluídos aí o IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), cuja alíquota nominal segue em 34% para a maioria das empresas. Para seguradoras, essa cobrança é de 40%, e para instituições financeiras, de 45%.
“Quando a gente fala de uma empresa decidindo onde investir o seu capital produtivo, onde vai abrir operação nova, ela olha os 34% e os outros custos que a gente conhece, como da folha [de pagamento de salários], e isso assusta. Com esses 10%, estou obviamente aumentando a tributação para o não residente, reduzindo o retorno esperado do investimento”, afirma. “Isso deixa o Brasil menos atraente.”
A estimativa do governo é a de uma arrecadação de R$ 8,9 bilhões em 2026 com o IR sobre dividendos de estrangeiros. A equipe econômica prevê a criação de um mecanismo de devolução e crédito tributários para estrangeiros e não residentes, e esse é outro ponto de preocupação de empresários e grandes companhias.
O relator do projeto de lei na Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), chegou a retirar a previsão desse crédito do relatório final, por entender que havia o risco de o país de origem não permitir a compensação desse imposto além de ser um mecanismo complexo. O governo defende que muitos países permitem o abatimento por meio de tratado ou espontaneamente.
A Abrasca (Associação Brasileira das Companhias de Capital Aberto), que representa empresas como JBS, Alpargatas e Ambev, diz que os tratados não conseguirão proteger os investidores caso a tributação na fonte vire lei. As condições para abatimento ou isenção variam de um país para outro. A entidade tem insistido na necessidade de a tributação sobre investimento estrangeiro ser tirada do projeto de lei.
As conversas com o relator na comissão especial não andaram. Lira blindou o projeto do governo e manteve o corpo da proposta: a isenção total até R$ 5.000, a faixa de isenção intermediária, que ele elevou para R$ 7.350, e compensação por meio da criação de um imposto mínimo para rendas mais altas e a tributação de dividendos de estrangeiros.
A estratégia das grandes companhias agora será tentar mudar pontos do projeto durante a votação no plenário, por meio dos destaques ao texto. Dois estudos apoiam o pleito.
O da FGV, apresentado na quinta (7) em Brasília (DF) a deputados e senadores da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, aponta que a partir de 1996, quando a isenção passa a valer, as empresas listadas em bolsa passaram a valer mais, em média, do que teriam sem a mudança.
O pesquisador Joelson Sampaio, que assina o estudo, diz que isso aconteceu porque o acionista passou a pagar menos imposto e porque isso tornou o ambiente acionário mais atrativo. Outro efeito foi o aumento no valor e no quanto as empresas passaram a distribuir em dividendos. “Removida a penalidade fiscal, os acionistas preferem receber retornos imediatos [dividendos] em vez de acumulação interna de lucros”, escreve Sampaio no relatório.
O estudo da FGV diz também que a isenção não teve efeito significativo sobre a taxa de investimento das empresas, que se manteve estável. “Em outras palavras, a maior distribuição de dividendos não veio às custas de menor reinvestimento”, diz Sampaio. “Ao não afetar negativamente o reinvestimento interno,
sugere-se que a medida não comprometeu o crescimento futuro das firmas, contrariando a visão de que dividendos isentos poderiam desencorajar expansão.”
Para investidores estrangeiros, o pesquisador da FGV aponta também que a isenção foi uma sinalização positiva, pois eles “passaram a ver o Brasil como um destino mais rentável e seguro para alocar capital, ampliando os fluxos de IDE [investimento direto estrangeiro] acima do nível esperado sem a reforma”.
Em outra frente, um relatório técnico da PwC classifica a tributação a estrangeiros como um “flagrante desalinho com os padrões observados no ambiente da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]”.
A consultoria aponta ainda que as estimativas do governo sobre a tributação das pessoas jurídicas não diferencia os diferentes regimes, como lucro real ou presumido, simples e profissionais que atuam como pessoas jurídicas.
“O PL pune e sobrecarrega todo o setor industrial (inclusive pequenas empresas) em favor de uma parcela do setor de serviços, assim como pune e sobrecarrega todas as empresas do lucro real, o que tende a acarretar efeitos adversos sobre o investimento produtivo no país, tanto por empresas brasileiras quanto, principalmente, por multinacionais estrangeiras”, diz o relatório
Na avaliação do tributarista Gustavo Brigagão, o modelo de imposto mínimo para alta renda previsto no projeto do governo acaba retomando uma tributação bifásica que havia sido eliminada na reforma de 1995. Isso porque o modelo prevê uma combinação do que foi efetivamente recolhido pela pessoa jurídica e pela pessoa física.
Para ele, a tributação de dividendos vai desestimular investimentos e tornar ainda mais complexa a apuração das alíquotas efetivas de pessoas físicas e jurídicas.
O governo precisa que o projeto seja votado até o fim do ano na Câmara e no Senado, mas ainda não há data para o texto entrar na pauta. Os trabalhos no Legislativo seriam retomados na semana passada, mas acabaram praticamente interditados pela rebelião bolsonarista que bloqueou o plenário da Câmara por quase 30 horas.
ENTENDA O QUE O PLENÁRIO DA CÂMARA VAI ANALISAR
Nova faixa de isenção
Renda de até R$ 5.000 passam a ser isentas de Imposto de Renda
Desde maio deste ano, estão isentos os que ganham até R$ 3.036
10 milhões de pessoas serão beneficiadas, segundo o governo
Isenção parcial de Imposto de Renda
Quem ganha até R$ 7.350 pagará menos IR do que paga atualmente
Acima de R$ 5.000, o contribuinte terá percentuais de desconto sobre o imposto a pagar
Quanto vai custar
R$ 31,25 bilhões em 2026
R$ 33,53 bilhões em 2027
R$ 35,80 bilhões em 2028
Quem vai pagar
Imposto mínimo para rendas mais altas
Quem ganha mais de R$ 50 mil mensais fica sujeito a uma alíquota mínima efetiva, que equivale ao tributo efetivamente pago
Essa cobrança vai incidir também sobre dividendos acima desse valor, que terão imposto recolhido na fonte
A alíquota máxima de 10% será cobrada de quem ganha mais de R$ 1,2 bilhão
Quanto o governo vai arrecadar com o imposto mínimo
R$ 25,22 bilhões em 2026
R$ 29,49 bilhões em 2027
R$ 29,83 bilhões em 2028
Dispositivo redutor
Na renda alta, haverá um “encontro de contas” entre a tributação da pessoa física e da pessoa jurídica
O mecanismo prevê que as alíquotas nominais não passem de 34%
A alíquota equivale para a maioria das empresas; para bancos é de 40%
Com esse dispositivo, um acionista terá seus dividendos tributados em até 10% ou até que, na soma das alíquotas jurídicas, chegue a 34% ou 40%
Imposto sobre dividendos de estrangeiros ou remetidos ao exterior
Esses pagamentos terão alíquota de 10% retida na fonte
Quanto o governo vai arrecadar com esses dividendos
R$ 8,90 bilhões em 2026
R$ 9,69 bilhões em 2027
R$ 9,81 bilhões em 202