SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2014 e 2015, a região metropolitana de São Paulo sofreu a maior crise hídrica de sua história, obrigando a população a mudar seus hábitos e a aprender a economizar água, devido ao racionamento imposto por vários meses.

Dez anos depois, o nível dos sete sistemas que abastecem os municípios da região estavam em 41,1% de sua capacidade no dia 14, o menor desde o auge da crise, em 2015, quando chegou a apenas 11,4% na mesma data.

Se levarmos em conta o dia 14 de agosto de 2013, no ano anterior à grande crise, o volume estava em 61,1%, ou seja, os reservatórios estavam 20 pontos percentuais mais cheios do que agora.

O que causa mais preocupação na situação atual é que o nível dos mananciais tem caído desde 2023: era 72,5% naquele ano, passando para 59,6% em 2024 e 41,1% neste ano. Uma baixa de 31,4 pontos percentuais em dois anos.

E como a previsão indica que o mês de agosto vai ser mais seco do que o normal e que as chuvas só devem voltar com força suficiente para recuperar os reservatórios no fim de setembro, quando iniciar a primavera, a tendência é que o nível atual continue a baixar diariamente.

O sistema Cantareira, por exemplo, que é o maior reservatório, está atualmente com 38,2% de sua capacidade. Se continuar baixando 0,3 ponto ao dia, como tem sido, pode chegar a apenas 15% no início das chuvas.

A chance de ocorrer nova crise hídrica é pequena, segundo a Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) e a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), que é a responsável pelo fornecimento de água potável para cerca de 21 milhões de pessoas na região metropolitana de São Paulo.

“Desde a crise hídrica de 2014-2015, o Estado tem investido na robustez e resiliência do sistema, com obras de interligação e transferência de água, fortalecendo a segurança operacional e a capacidade de resposta em períodos de estiagem”, destaca a Semil, em nota à reportagem.

Entre essas obras citadas pela pasta, a principal é a interligação dos sete mananciais da região: Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga, Cotia, Rio Grande, Rio Claro e São Lourenço.

“A situação está bastante confortável, não tem ainda sinal de crise hídrica”, enfatiza Samanta Souza, diretora executiva da Sabesp. “Os sistemas são todos integrados. Posso abastecer a avenida Paulista tanto com água do Cantareira quanto do Guarapiranga. A gente vai fazendo esses ajustes para ter a melhor distribuição de água possível.”

Ela diz ainda que há outra bacia interligada à da região metropolitana, que é a do rio Paraíba do Sul, no vale do Paraíba, que pode ter suas águas transferidas para o sistema Cantareira, se for necessário.

“O Itapanhaú [no litoral, entre Bertioga e Guarujá] também está em obra de pré-operação e vai alimentar o Alto Tietê. E no começo do segundo semestre de 2026 termina a primeira fase da obra de ampliação do sistema Baixo Cotia”, complementa a diretora, indicando que, além disso, a Sabesp também adotou uma nova tecnologia via satélite para localizar os locais onde há vazamento de água e ter resposta mais rápida para o conserto.

De qualquer forma, tanto a Semil quanto a Sabesp preparam campanhas para conscientizar a população quanto ao desperdício de água nesta época de estiagem.

“Embora não haja risco iminente de desabastecimento, o momento reforça a importância do uso consciente da água. Pequenas atitudes no dia a dia ajudam a garantir água para todos”, diz a Semil.

Mesmo que a pasta e a Sabesp descartem o desabastecimento, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse, em evento nesta segunda-feira (18), estar muito preocupado com a questão de escassez hídrica no estado.

“A pressão pela água vai aumentar ao longo do tempo. Não podemos esquecer que temos uma questão de escassez hídrica. Nós temos baixa resiliência hídrica em várias regiões do estado”, afirmou.

Segundo o Tarcísio, o governo tem feito uma série de projetos para enfrentar esse desafio, como barragens e estruturas de reservação.

“Estamos pensando na competição do uso humano com o uso do agro, uso industrial”.

CICLO DO SOL INFLUENCIA NO CLIMA DE SÃO PAULO?

Um dos maiores especialistas em hidrologia e gestão de recursos hídricos do país, o professor Antonio Carlos Zuffo, da Unicamp, afirma que há uma relação direta entre as fases de chuva intensa no Rio Grande do Sul e seca no Sudeste com o ciclo de atividade do sol, que dura 11 anos e é conhecido como ciclo de Schwabe.

“Entre 2001 e 2003, tivemos enchentes no Rio Grande do Sul e o apagão energético com a primeira crise do sistema Cantareira. Em 2014/2015, tivemos novamente enchentes no Rio Grande do Sul e a grande crise hídrica em São Paulo. Agora, tivemos a tragédia das inundações no Rio Grande do Sul em 2024. O que esperar para as regiões Sudeste e Centro-Oeste com o atual máximo solar?”, indaga o professor.

Ele diz ainda que há perspectiva da ocorrência do fenômeno La Niña, que provoca atraso do nível das precipitações. “A chuva, em vez de chegar no final de setembro e começo de outubro, pode começar só em dezembro. No início do ano, parou de chover em São Paulo em fevereiro, quando normalmente pararia em abril ou maio.”

Meteorologistas ouvidos pela reportagem descartam a tese de Zuffo, de que o sol tenha influência direta nas fases de chuva e seca do país. Para eles, há muitas variáveis climáticas que entram nessa conta e são mais relevantes para explicar essa alternância.

Marcelo Seluchi, coordenador-geral de operações e modelagem do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) aponta que, desde por volta de 2011, há uma tendência geral de chuva decrescente no país.

“Estamos numa situação de seca muito severa e quase que permanente. Tem anos que fica ‘menos pior’, mas estamos numa sequência muito grande de anos secos dentro do século”, diz Seluchi, citando duas causas que, para ele, são as principais para explicar esse cenário no Brasil: as mudanças climáticas e o desmatamento.

“A chuva precisa de umidade para acontecer e uma das fontes principais da umidade é a vegetação, a floresta. Nós estamos tirando áreas de florestas e substituindo por pastagens, que evapora quatro vezes menos umidade que a floresta. Está faltando umidade para provocar chuva”, diz.

Já Guilherme Borges, meteorologista da empresa Climatempo, afirma que há uma tendência de aquecimento dos oceanos do planeta, o que está diretamente ligado ao aquecimento global. Ele cita ainda que com o oceano Atlântico mais quente, o interior do país também fica quente e seco, o que faz com que as frentes frias sigam para o oceano.

“A tendência é que tenhamos agosto mais seco. Há a expectativa de algumas pancadas de chuva, mas muito isoladas, nada para encher reservatórios. A virada pode ocorrer mais para a segunda quinzena de setembro, com a mudança na circulação atmosférica. Assim, a chuva deve voltar com mais na regularidade”, prevê Borges.