BRASÍLIA, DF E WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) pediu formalmente que o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA) volte atrás na abertura de uma investigação comercial contra o Brasil e disse que eventuais medidas unilaterais com base nessa apuração ameaçam minar o sistema internacional de comércio e ter consequências negativas para a relação bilateral entre os dois países.

“O Brasil insta o USTR a reconsiderar a abertura desta investigação e a engajar-se em um diálogo construtivo. Medidas unilaterais ao amparo da Seção 301 correm o risco de enfraquecer o sistema multilateral de comércio e podem ter consequências adversas para as relações bilaterais”, diz o documento, assinado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

O governo brasileiro diz ainda que as políticas brasileiras investigadas são transparentes, não discriminatórias e que estão em plena conformidade com as melhores práticas internacionais e com as obrigações do país na OMC (Organização Mundial do Comércio).

“O Brasil continua aberto a consultas e reafirma seu compromisso com a resolução de questões comerciais por meios cooperativos e legais”, diz o governo.

A investigação do USTR contra o Brasil mira múltiplas frentes: comércio digital e serviços de pagamento eletrônico; tarifas “injustas e preferenciais”; leis anticorrupção; proteção da propriedade intelectual; acesso ao mercado de etanol; e desmatamento ilegal.

A apuração tem potencial de causar danos adicionais à economia brasileira e traz riscos de sanções consideradas de difícil reversão.

A investigação aberta por Trump ocorre no âmbito da chamada seção 301 da Lei de Comércio de 1974.

Ela autoriza o governo dos EUA a retaliar, com medidas tarifárias e não tarifárias, qualquer nação estrangeira que tome práticas vistas como injustificadas e que penalizam o comércio americano.

As normas dos EUA exigem que o país alvo da investigação seja ouvido e apresente argumentos. O processo costuma durar 12 meses a partir do início da apuração.

O Brasil já esteve na mira do USTR em ocasiões anteriores, principalmente em apurações na década de 80 sobre os setores de informática e de remédios. As investigações do passado, no entanto, não eram tão abrangentes quanto a determinada por Trump em julho.

A elaboração do texto foi coordenada pelo Itamaraty, a partir de esforço interministerial e de consultas ao setor privado. Em nota divulgada sobre o documento, o governo brasileiro afirmou que a manifestação demonstra que as alegações dos EUA são improcedentes.

Em sua manifestação, o Brasil também reitera não reconhecer a legitimidade da Seção 301 e de outros instrumentos unilaterais, os quais o governo classificou como inconsistentes com as regras e o sistema de solução de controvérsias da OMC.

“A participação brasileira no processo se dá em espírito de diálogo e de esclarecimento de fatos e não constitui reconhecimento da validade ou jurisdição do procedimento”, diz ainda a nota do Itamaraty.

“Ademais, fica claro que a premissa de prejuízo ao comércio dos EUA é inverídica, sendo contraditada pelos fatos e pelas estatísticas disponíveis. Há, em verdade, expressivo e crescente superávit comercial em favor dos EUA na relação com o Brasil.”

No documento, o Brasil relembra que compartilha com os EUA “mais de dois séculos de relações diplomáticas, baseadas no respeito mútuo e em valores democráticos” e essa “importante relação também inclui um nível significativo de integração econômica”.

Diz manter um regime comercial aberto e baseado em regras do OMC, além de manter diálogo “consistente e de boa-fé com seus parceiros comerciais, incluindo os Estados Unidos”.

O governo Lula argumenta que o Brasil é o principal investidor sul-americano nos Estados Unidos e, nos últimos anos, seu fluxo de investimentos superou o de outros países.

Além da integração econômica, diz ainda o documento produzido pelo Itamaraty, os dois países compartilham objetivos globais, em especial nas áreas de energia, saúde pública e segurança regional.