BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Nem a equipe de campanha do senador Rodrigo Paz parecia preparada para que ele estivesse em um segundo turno histórico na Bolívia -muito menos partindo, no último domingo (17), do primeiro lugar. Seu discurso de vitória, no qual ele falou em reconciliação, foi dado de improviso em uma praça do centro de La Paz.

Contrariando as pesquisas, a apuração preliminar apresentada pela autoridade eleitoral concedeu a Paz mais de 32,1% dos votos válidos, superando o ex-presidente Jorge Quiroga (26,8%), que também avançou para o segundo turno, marcado para 19 de outubro.

Quem liderava as intenções de voto era o empresário Samuel Doria Medina (19,9%), que terminou em terceiro lugar. A esquerda só conseguiu a quarta posição, com o presidente do Senado, Andrónico Rodríguez (8,2%).

Rodrigo Paz, economista de 57 anos, é filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora (1989-1993) e senador por Tarija. Ele também já foi prefeito da capital do departamento de mesmo nome, que fica próximo à fronteira com a Argentina, o que influencia a culinária da região (semelhante às da províncias de Salta e Jujuy) e os torcedores, que usam camisas do Boca Juniors e do River Plate.

A Folha de S.Paulo esteve em Tarija uma semana antes das eleições, e os sinais de que o menor departamento boliviano em extensão -mas o terceiro em desenvolvimento- teria protagonismo na guinada à direita do país já pareciam fortes.

As filas no comércio e em postos de combustíveis se tornaram pontos de encontro de insatisfeitos com o governo do MAS (Movimento ao Socialismo), que perdeu suas primeiras eleições em duas décadas. Nas vias que levam às vinícolas, símbolo dessa região da Bolívia, os muros foram pintados com nomes da oposição. Era uma tarefa difícil encontrar um eleitor que defendesse o voto em Andrónico ou no candidato do MAS, o ex-ministro Eduardo del Castillo.

Rodrigo Paz ganhou em La Paz, Oruro e Potosí. Em Tarija, quem ficou em primeiro lugar foi Doria Medina. Mas seu departamento deu aos três principais nomes da oposição 79% dos votos válidos. A esquerda, que levou seis departamentos em 2020, nas eleições que deram vitória a Luis Arce, desta vez não emplacou o candidato mais votado em nenhum deles.

Segundo analistas avaliaram na noite de domingo, além do principal colocado representar uma voz de fora do eixo La Paz-Santa Cruz, o eleitor passou uma mensagem clara de que estava cansado das quase duas décadas de governo do MAS e da oposição tradicional ao partido -Doria Medina tentava a Presidência pela quarta vez, e Tuto Quiroga, mesmo sendo mais conhecido que Paz, terminou em segundo lugar.

As propostas de Paz se concentram na descentralização do Estado, com a chamada “Agenda 50/50”, na qual ele propõe dividir o Orçamento entre o governo central, os nove departamentos do país e as universidades públicas.

Também propõe melhorar o acesso ao crédito, reduzir impostos e eliminar as tarifas de importação para itens que a Bolívia não produz, além de aumentar o investimento em energia limpa para reduzir a dependência de hidrocarbonetos.

Seu vice, Edman Lara, é conhecido por seu discurso de combate à corrupção. Ele viralizou nas redes sociais, sobretudo no TikTok, por criticar a corrupção e é apontado como escolha acertada para a chapa, equilibrando a imagem de herdeiro político de Paz com a demanda da sociedade por renovação.

Nos 60 dias até o segundo turno, a dupla terá o desafio de convencer os eleitores de que seu plano de governo é sólido o bastante para tirar o país da crise econômica que fulminou a possibilidade de reeleição de Arce. E precisa entrar em questões críticas, como privatizações e a exploração de recursos naturais.

A esquerda, por sua vez, além de concorrer com os candidatos da direita e de responder às críticas pelo desempenho do atual governo, tinha a difícil missão de convencer os eleitores mais simpáticos ao projeto do evismo a não votarem nulo, conforme passou a pregar o ex-presidente como protesto por seu impedimento de disputar um novo mandato.

No dia seguinte ao primeiro turno, em seu perfil no X, Evo Morales celebrou o pico inédito de 19,2% de abstenções. Mais de 1,2 milhão de bolivianos invalidaram o voto, segundo a contagem preliminar. “Nosso protesto foi sentido: votamos, mas não elegemos, e o povo deixou claro que a democracia não pode ser reduzida a um simples trânsito administrativo”, escreveu o líder cocaleiro.