SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – As cinzas do fotógrafo Sebastião Salgado foram depositadas no sábado (16) nas raízes de uma peroba-amarela no Instituto Terra, em Aimorés, Minas Gerais -a mesma fazenda em que o artista cresceu e que se transformou, anos depois, em sua grande obra de recuperação ambiental.

A cerimônia reuniu familiares, amigos e autoridades no local que marcou a infância e a adolescência do fotógrafo. O gesto simbolizou não apenas a despedida, mas também a última missão de Salgado: nutrir, com seu corpo, a árvore que agora integra a floresta renascida pelo projeto que ele próprio fundou.

Durante a homenagem, a mulher do fotógrafo, Lélia Salgado, recordou o caráter íntegro e a dignidade do artista. O fotógrafo foi descrito como alguém movido por ideias grandiosas e pela coragem de persegui-las.

Para a família, o ato de depositar as cinzas no Instituto Terra foi carregado de significado: era ali, entre o céu e a luz filtrada pelas árvores, que o olhar de Sebastião havia se formado. O lugar que o ensinou a enxergar o mundo tornou-se, assim, sua morada final.

“Tristeza por me dar conta que o Sebastião partiu, mas também alegria de ver um grupo tão grande, tão representativo de amigos, familiares e que trabalharam com ele”, afirmou Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores.

Após os discursos, as cinzas foram enterradas junto às raízes da peroba-amarela e a urna próxima a ela. Em seguida, familiares e convidados jogaram pétalas brancas sobre a terra, selando a homenagem a um homem que fez da fotografia um instrumento de transformação social.

O FOTÓGRAFO QUE MUDOU A FORMA DE VER O MUNDO

Salgado inovou ao retratar populações em situações de desigualdade, guerras e miséria, quase sempre em preto e branco, preferindo apresentar séries fotográficas em vez de imagens isoladas. Essa escolha refletia sua recusa em separar o indivíduo do contexto social que o moldava.

Mineiro, era o sexto de dez filhos -e o único homem entre nove irmãs. Formado em Economia, foi obrigado a se exilar em Paris em 1969, durante a ditadura militar. Ali trabalhou na Organização Internacional do Café e, em viagens pela África, descobriu na fotografia uma maneira mais poderosa de revelar realidades do que qualquer relatório econômico.

Sua carreira deslanchou a partir dos anos 1970, com reportagens sobre a seca no Sahel e os trabalhadores imigrantes na Europa. Em 1979, entrou para a Magnum Photos e iniciou projetos documentais de fôlego, como a série sobre camponeses da América Latina, que deu origem ao livro Autres Amériques (1986).

Vieram depois registros de refugiados africanos da seca em colaboração com os Médicos Sem Fronteiras e a série Workers (1987-1992), que correu o mundo em exposições. Sua obra alcançou o grande público também pelo cinema, com o documentário O Sal da Terra (2014), dirigido por Wim Wenders e Juliano Salgado, indicado ao Oscar de Melhor Documentário.