SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acendeu o alerta entre aliados de Volodimir Zelenski ao pressionar o ucraniano pouco antes de recebê-lo na Casa Branca nesta segunda-feira (18).

O republicano está numa corrida para tentar um cessar-fogo na Guerra da Ucrânia, e voltou a adotar a visão favorável à Rússia para encerrar o conflito após reunião de cúpula com Vladimir Putin na sexta passada (15), no Alasca.

“O presidente Zelenski pode acabar a guerra com a Rússia quase imediatamente, se ele quiser, ou pode continuar a lutar. Lembre como ela começou. Não ganhará de volta a Crimeia dada por Obama (12 anos atrás, sem um tiro dado!), e SEM ENTRADA NA OTAN DA UCRÂNIA”, escreveu, com as usuais maiúsculas, na rede Truth Social.

A postagem trouxe à tona a memória de quando Trump recebeu Zelenski na Casa Branca pela primeira vez, em fevereiro. Ao lado de auxiliares e do vice J.D. Vance, ele armou uma armadilha para o ucraniano, acusando-o de ter causado a invasão russa de 2022 e de não querer acabar com a guerra.

O bate-boca público, um desastre para Kiev, foi depois remendado aos poucos, com o americano adotando uma crescente posição de neutralidade e passando a pressionar Putin, com o paroxismo de um ultimato que venceu no dia 8 passado.

Só que, a julgar pelas entrevistas posteriores de Trump, era tudo teatro. Ele disse no fim de semana que não pretendia implementar as sanções que havia ameaçado se o russo não parasse a guerra até aquela data, porque isso determinaria seu fracasso em lograr uma trégua.

Em vez de punições aos parceiros comerciais da Rússia, como China e Brasil, Trump promoveu a cúpula no Alasca. Não houve menção à trégua, mas tudo o que transpareceu do encontro sugere um encaminhamento novo para um cenário em que os termos de Putin prevalecem.

Mais tarde, Trump voltou às redes, passando recibo do incômodo pelas críticas de ter cedido novamente a Putin. “Eu resolvi seis guerras em seis meses, e ainda tenho de ler e ouvir no Wall Street Journal e outros que não têm uma ideia de verdade me dizer que estou errando na confusão Rússia/Ucrânia”, disse.

“Estou aqui só para pará-la, não para continuá-la. Eu sei exatamente o que estou fazendo”, escreveu na Truth Social, voltando a chamar críticos de estúpidos e de culpar o antecessor Joe Biden pela guerra. Os seis conflitos a que ele se refere são um exagero, misturando cessar-fogo temporários a acordos ainda a serem implementados.

PUTIN FEZ UMA CONCESSÃO ATÉ AQUI, DIZEM EUA

Putin fez uma concessão conhecida até aqui, segundo o negociador Steve Witkoff: aceitou pela primeira vez que os EUA deem algum tipo de garantia de segurança para a Ucrânia após o fatiamento do país, talvez de forma análoga ao artigo 5 da carta da Otan, que prevê defesa mútua em caso de ataque a qualquer 1 dos 32 membros da aliança militar.

Nada de força de paz em solo, como querem Kiev e os europeus, contudo. E Putin sugeriu que aceitaria trocar o congelamento das linhas de batalha nas duas regiões dos sul ucraniano nas quais controla 70% do território, Kherson e Zaporíjia, em troca da entrega definitiva de Donetsk (leste), onde também tem 70% de domínio e está em ofensiva.

A quarta região anexada ilegalmente e que faz parte do pacote colocado por escrito pelo Kremlin, Lugansk (leste), já está totalmente controlada por Moscou. Pela proposta de Putin, ele ganharia 6.600 km2 remanescentes no leste em troca de desocupar 440 km2 que tomou das regiões de Sumi e Kharkiv, no norte, que não estão na sua lista de desejos.

É um bom negócio para o russo, ainda que não seja o domínio sobre o vizinho que planejava ao invadi-lo. As áreas remanescentes de Zaporíjia e Kherson são de difícil acesso pela barreira natural do rio Dniepr, e o que Putin tem lá já é suficiente para manter sua ponte terrestre entre a Crimeia e a Rússia.

No domingo, Zelenski admitiu discutir a situação a partir das linhas atuais da frente de batalha, que tem mais de 1.000 km. Mas voltou a dizer que não poderia ceder território constitucionalmente, o que joga dúvidas sobre o destino da negociação.

A neutralidade militar da Ucrânia e o destino da península russófona da Crimeia, que Putin anexou na verdade há 11 anos após ver seu aliado derrubado da Presidência em Kiev, pelas palavras de Trump, já são um fato consumado na proposta à mesa.

Zelenski voltará à grelha do Salão Oval às 14h15, o horário de Brasília. Vance deverá estar com Trump novamente. Ele viajou a Washington com outros sete líderes europeus, algo inédito fora de cúpulas, mas Trump vetou um encontro com todos ao mesmo tempo. O ucraniano deverá encontrar-se com a delegação europeia antes de falar com o republicano.

Após 45 minutos previstos com Zelenski, o americano deverá receber os líderes do Reino Unido, França, Itália, Alemanha e Finlândia, além do secretário-geral da Otan, Mark Rutte, e da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Antes do encontro, o ucraniano postou no Telegram que “nós todos queremos acabar igualmente com essa guerra, de forma rápida e confiável”. E apontou para os invasores: “A Rússia precisa acabar com essa guerra, que ela começou. Eu espero que nossa força compartilhada com os EUA e com nossos amigos europeus leve a Rússia à paz real”.

Ele também se encontrou com o enviado de Trump para assuntos ucranianos, Keith Kellogg, que foi retirado da negociação principal há meses a pedido de Putin, que o via como pró-Kiev. Na conversa, reiterou que só os EUA podem forçar a paz e entregar garantias de segurança à Ucrânia.

Enquanto isso, os combates em si continuaram, com ataques de lado a lado. Em Kharkiv, a segunda maior cidade ucraniana, sete pessoas morreram durante uma barragem de mísseis e drones, e outras três morreram na capital homônima de Zaporíjia.

No Telegram, Zelenski disse que os ataques foram “cínicos”, mas quando seu chanceler, Andrii Sibiha, foi questionado acerca de bombardeios ucranianos contra a Rússia, ele disse que “enviem queixas a Moscou”.

Kiev atingiu nesta segunda uma estação de transferência do oleoduto Drujba, causando reclamações na Hungria e na Eslováquia, que ficam sem o petróleo russo nessa segunda. A União Europeia limitou a compra do produto a partir do fim de 2022, mas há exceções negociadas para esses dois membros.

O Drujba (amizade, em russo) é um oleoduto de 4.000 km que ligava a União Soviética à Europa, passando por diversos países hoje independentes, como a Rússia e a Ucrânia.