SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – O Estado de São Paulo foi condenado a indenizar em R$ 400 mil a família de um homem morto pela Polícia Militar em Osasco, na região metropolitana, em 2020. Na sentença, a Justiça ainda determinou o pagamento de pensão no valor de dois terços de salário mínimo até que o filho da vítima, que nesta hoje tem 10 anos, complete 25 anos.

Em 24 de fevereiro de 2020, o encanador Ismael Marques Moreira, de 31 anos, tinha saído de casa para comprar leite para o filho na comunidade do Flamenguinho. Ao sair de um supermercado, ele foi atingido com um tiro no olho durante uma perseguição da PM a um outro homem.

Câmeras de segurança mostraram a vítima saindo do estabelecimento e caminhando pela calçada, até que ela se assusta com algo, vai para a rua e cai. Logo em seguida, aparecem um homem correndo e um policial usando capacete atrás. Ao ver Ismael caído, o soldado Marco Antônio Avelino Filho, 30, anda de um lado para o outro e chega a levar as mãos à cabeça até o colega de farda aparecer.

O soldado afirmou que tentou abordar um suspeito que acabou fugindo. Durante a perseguição, teria entrado em luta corporal com o homem que teria tentado pegar sua arma. Por isso, o policial disse que deu dois disparos. Testemunhas, contudo, relataram que Marco Antônio atirou enquanto o suspeito corria.

VÍTIMA MORREU COM NOTA DO MERCADO NAS MÃOS

A juíza Natalia Assis Mascarenhas, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Osasco, considerou que ficou comprovada a responsabilidade do Estado na morte de Ismael.

Observo ainda que a vítima saía de um mercado quando foi atingido por projétil de arma de fogo, estando inclusive com a nota do mercado em mãos. Nesse contexto, inegável a dor da esposa e do filho menor, mormente porque a vítima em nada deu causa ao óbito, exacerbando a dor da perda desses familiaresJuíza Natalia Assis Mascarenhas, em decisão sobre o caso

Para a viúva de Ismael, que pediu para ter a identidade preservada, a condenação do Estado era esperada. “Meu filho é como eu: não somos de demonstrar muito o que sentimos, mas só Deus sabe como temos levado a vida nesse período. Na verdade, ele ainda nem entende direito sobre o assunto. Eu apenas respondo às perguntas que ele me faz, seguindo a orientação do psicólogo”, disse.

Ao UOL, o advogado Felipe dos Anjos, que a representa no processo, disse que estão avaliando a possibilidade de recurso, já que consideraram o valor insuficiente e desproporcional diante da gravidade do ocorrido. “Trata-se de uma falha grave, que impôs à família da vítima uma dor irreparável. Ainda que nenhuma indenização seja capaz de compensar a perda de uma vida, o dever de reparar é inegável diante da responsabilidade civil reconhecida”, afirmou em nota.

DERRITE MENTIU SOBRE VÍTIMA

Na época, o secretário da Segurança Pública Guilherme Derrite era deputado federal pelo PL e postou no X (antigo Twitter) que “um criminoso” que trocou tiros com a polícia na comunidade do Flamenguinho iria “curtir o Carnaval no inferno”. A publicação foi feita poucas horas após o encanador ser baleado e foi apagada depois.

Em 2022, Derrite chegou a ser condenado a indenizar a família de Ismael em R$ 20 mil por manchar a reputação da vítima ao disseminar informação falsa, mas o secretário conseguiu reverter a sentença em instâncias superiores. Esse processo tramitou à parte do pedido de indenização ao Estado e já transitou em julgado, ou seja, não cabem mais recursos.

Segundo a viúva, o secretário e o governo estadual nunca a procuraram para se retratar.

INVESTIGAÇÃO AINDA NÃO FOI CONCLUÍDA

Policial que atirou em encanador já voltou a trabalhar. Em março de 2024, o então comandante-geral da PM, Cássio Araújo de Freitas, entendeu que o soldado Marco Avelino Filho atuou em legítima defesa e determinou que ele fosse punido disciplinarmente, mas que não fosse expulso da corporação. Atualmente, o policial exerce trabalha no 14º Batalhão de Polícia Militar.

Ao UOL, a Procuradoria Geral do Estado disse que o processo de indenização está “sob análise” e não informou se pretende recorrer da sentença.

A Secretaria da Segurança Pública disse que a investigação “foi conduzida dentro dos prazos e procedimentos previstos em lei, levando em conta a complexidade dos fatos”. A SSP também foi questionada sobre a publicação de Derrite, mas não respondeu.