BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Previdência Social alertou a equipe econômica sobre a imprecisão das estimativas de gastos com benefícios incluídas na avaliação do Orçamento do terceiro bimestre, dada a desconsideração de fatores que vão pressionar a despesa na segunda metade do ano.

A pasta manteve a previsão de despesas com benefícios previdenciários em R$ 976,9 bilhões, mesmo valor indicado no relatório do segundo bimestre. A conta total, incluindo sentenças judiciais e compensações devidas a estados e municípios, também ficou praticamente inalterada, em R$ 1,032 trilhão. Sob esse cenário, o governo liberou R$ 20,6 bilhões que estavam travados no Orçamento.

Segundo a Previdência, as estimativas não incluem os impactos da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que isenta mulheres de carência (período mínimo de contribuição) para receber o salário-maternidade. Tampouco consideram os efeitos da redução da fila de espera do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) sobre os gastos.

O avanço das revisões de benefícios, disse a pasta, pode amenizar parte das pressões. Ainda assim, técnicos da área econômica reconhecem que a tendência é haver novos bloqueios de despesas livres (como custeio e investimentos) para compensar a expansão dos gastos obrigatórios —que incluem os gastos com Previdência.

“No presente momento, a imprecisão natural da estimativa é agravada pelo fato da mesma ser realizada a partir de despesas realizadas ao longo do primeiro semestre, sendo que o cenário das concessões e cessações de benefícios para o segundo semestre deve ser bastante distinto e incerto”, diz nota técnica que subsidiou a avaliação bimestral, obtida pela reportagem por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

Um integrante do governo afirma que têm havido “evidentes oscilações” no ritmo de análises e concessões de benefícios, o que prejudica as estimativas. No ano passado, o Executivo encerrou o período com um gasto previdenciário R$ 29,9 bilhões maior que o previsto originalmente no Orçamento. Neste ano, mesmo com as imprecisões, a diferença já está em R$ 16,7 bilhões.

Como revelou a Folha de S.Paulo, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) agiu para segurar as concessões de novos benefícios no fim de 2024, o que elevou o estoque de requerimentos a um pico de 2,7 milhões.

O represamento afetou a dinâmica dessas despesas nos primeiros cinco meses de 2025, quando elas cresceram 6,4% em relação a igual período do ano passado —em linha com a correção pela inflação, o ganho real do salário mínimo e a expansão mais tímida da base de beneficiários.

Segundo a nota técnica, o estoque de benefícios emitidos apresentou uma estabilidade incomum de julho de 2024 a maio de 2025, ao redor dos 34,3 milhões. Nesse intervalo, as concessões até caíram de novembro de 2024 a janeiro deste ano, quando os artifícios para segurar a fila estavam em vigor.

Em junho de 2025, a tendência mudou drasticamente. O estoque alcançou 34,7 milhões de beneficiários, na esteira da aceleração das concessões de novos benefícios (707 mil em maio e 630 mil em junho).

A despesa mensal, de R$ 103,3 bilhões, ficou 14,3% acima do observado em igual mês de 2024, já descontando da base de comparação gastos extras realizados com beneficiários gaúchos durante as enchentes no ano passado. Os dados de julho ainda não foram divulgados.

“A retomada do crescimento das concessões após janeiro somente se manifesta de forma relevante no estoque de benefícios a partir de junho. Essa estabilidade, incomum em relação a essa variável, associada ao aumento observado em junho, sugere que, provavelmente, no segundo semestre o estoque volte a apresentar um crescimento”, diz a nota técnica da Previdência.

No saldo do primeiro semestre, a alta da despesa foi de 7,9%. Esse foi o dado considerado pela Previdência para fazer as projeções. A fila, porém, ainda estava elevada, em 2,4 milhões no fim de junho, o que deixa espaço para que as concessões se mantenham em alta até o fim do ano.

A decisão do STF sobre o salário-maternidade, por sua vez, deve custar entre R$ 2,3 bilhões e R$ 2,7 bilhões neste ano, considerando a implementação da medida a partir de julho. O governo disse que ainda não incluiu o valor nas estimativas porque o ritmo de concessão do benefício daqui para frente é uma incógnita. Em 2026, a expectativa é que a despesa extra deve ficar em R$ 12 bilhões.

“Dada a incerteza sobre o comportamento dos segurados, especialmente os que podem pedir os benefícios negados nos últimos cinco anos, não é possível incorporar essa variável na despesa estimada para o ano, embora seja certo que haverá um incremento na concessão administrativa de salários-maternidade”, afirma o documento.

Um especialista em Previdência avalia, sob reserva, que não incorporar o impacto do salário-maternidade é questionável, uma vez que a decisão já foi tomada pelo STF. Em sua visão, seria prudente que o governo já acomodasse o valor dentro do Orçamento, ainda que fosse necessário revê-lo para mais ou menos nos próximos meses.

Na direção oposta, a Previdência citou a mudança nas regras do auxílio-doença via Atestmed (sem perícia presencial) como um fator que pode resultar em menor velocidade de concessão desse benefício específico.

O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, avalia que as projeções do governo ainda estão subestimadas. “A redução da fila de requisições de benefícios, que pouco andou nos últimos meses, deve colocar pressão sobre essas despesas no segundo semestre”, diz.

Segundo ele, a decisão do STF sobre o salário-maternidade também tem um impacto relevante, embora difícil de se estimar, dada a possibilidade de trabalhadoras que tiveram o pedido negado no passado entrarem com recurso com base na nova interpretação. “Nesse caso, o ideal seria o governo adotar uma postura conservadora e revisar para cima a projeção da despesa”, afirma.

Para Sbardelotto, o governo precisará elevar a estimativa de gastos previdenciários em R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões —um valor bem menor do que o aumento de R$ 16,7 bilhões que o Executivo precisou acomodar em sua primeira reavaliação, em maio, mas ainda assim significativo considerando a necessidade de fazer cortes em outras políticas.

Nas contas da XP, o novo bloqueio deve ficar na casa dos R$ 5 bilhões, devido não só à Previdência, mas também ao crescimento das despesas com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.