SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É o fim de uma era. A mais antiga linha de trólebus do país, a 408A/10, em São Paulo, está mudando seus veículos. Em operação desde 1949, ela liga os bairros da Aclimação e de Perdizes e foi apelidada, carinhosamente, de Machadão. Agora, os ônibus vermelhos conectados à rede elétrica foram totalmente substituídos por modelos verdes movidos a bateria.
O percurso da Machadão começa na rua Machado de Assis, na Aclimação, e termina na rua Cardoso de Almeida, em Perdizes. Margeia várias referências históricas e pontos turísticos da cidade, cruza Higienópolis e passa, por exemplo, pelas avenidas São Luís, praça João Mendes e pelo bairro da Liberdade.
Vários moradores de Perdizes mantêm uma ligação afetiva com os trólebus e tomaram um susto quando ficaram sabendo da troca por um outro tipo de veículo mais novo. O engenheiro e historiador Sílvio Larocca de Paiva Júnior foi um deles. Ele usa diariamente essa linha, que nunca está lotada, e se espantou com a chegada dos verdes.
“A gente já sabia que isso aconteceria, embora os trólebus sejam muito resistentes e funcionais”, afirma. “Mas quando vi os novos chegando fiquei decepcionado, senti um pouco a mudança. São mais de 30 anos no mesmo veículo vermelho, não dá para evitar uma certa divisão.”
Larocca afirma que a fiação deveria ser mantida e que os dois ônibus poderiam ficar na linha.
Uma arquiteta que reside há 70 anos no bairro e prefere não se identificar diz estar inconformada com a saída dos trólebus. Ela se pergunta por que resolveram aposentar um sistema de transporte pioneiro em sustentabilidade e eficiência.
Diz também que o pai pegava o trólebus para ir trabalhar na rua Major Quedinho e a mãe o usava com frequência para ir ao centro. Ela conta que, durante cinco, usou o Machadão para ir ao Mackenzie, onde fazia faculdade, e que o irmão e a cunhada dela se conheceram no trajeto.
A antropóloga Paula Janovitch afirma que o mais importante é preservar a linha, não necessariamente o veículo. “Se vai ser com trólebus ou com bateria isso é menos importante”, diz. “Não sei se o novo é ruim e nem vou achar que o antigo é maravilhoso.”
Líder da Amora (Associação do Moradores e Amigos de Perdizes), a arquiteta Márcia Cunha diz que é triste a eliminação dos trólebus da forma como ocorre hoje. “Eles fazem parte da tradição do bairro”, afirma. “A gente peca muito na cidade por eliminar marcas do patrimônio histórico.”
Márcia acredita que a linha deveria ser tombada. “A gente vai destruindo o passado e pelo menos o percurso deve ser preservado por sua história”, diz. A Amora lança, no dia 30 de agosto, o movimento Preserva Perdizes para conscientizar a população sobre as mudanças no bairro. A 408A/10 pode ser um de seus temas.
Segundo a SPTrans, a Ambiental Transportes, concessionária da operação, tem autonomia para fazer seus ajustes de frota em função de ganhos para o sistema. “A linha está programada para operar trólebus”, disse a SPTrans em nota. “Mas, durante a operação, a Ambiental, responsável pela linha, pode utilizar outro tipo de veículo, desde que a capacidade de transporte de passageiros seja mantida.” A cidade possui 201 trólebus, a maioria dessa concessionária.
Num seminário realizado na última quinta-feira (14) na sede do Seesp (Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo), cujo tema foi o trólebus, a maioria dos participantes foi favorável a sua permanência nas ruas. Para o especialista em mobilidade pela Uitp (União Internacional de Transportes Públicos) Arnd Batzner, as estruturas já instaladas para fazer rodar um veículo não poluente não deveriam ser desprezadas e permitem uma evolução mais rápida para o transporte limpo.
De qualquer forma, na última terça-feira (12), a Ambiental formalizou o pedido, já publicado no Diário Oficial, para que a 408A/10 passe a operar só com ônibus elétricos movidos a bateria, visando a melhorar o desempenho operacional da linha.
A SPTrans informou que irá “avaliar o pedido para verificar se a mudança oferecerá melhora no serviço prestado ao passageiro”. Ressaltou também que os ônibus movidos a bateria são equipados com ar-condicionado, wifi e tomadas USB.
Um argumento daqueles que defendem a permanência dos trólebus é a manutenção de elementos da paisagem urbana e de uma experiência antiga de transporte. Os trólebus remetem à tradição, segundo eles. São um bem cultural dos bairros da Aclimação e de Perdizes, observado e usado pela população há várias décadas. Fazem parte da história.