SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não é incomum entrar em uma loja de roupas ou em um supermercado e ser abordado por um vendedor oferecendo um cartão da própria rede. Muitas vezes, a promessa de desconto em compras futuras ou de um parcelamento exclusivo é suficiente para convencer o cliente —mesmo que ele não tenha tempo de entender todas as condições envolvidas.

Os cartões de loja ou private labels costumam ser emitidos por financeiras ligadas às redes varejistas e têm como principal objetivo fidelizar o consumidor. Em muitos casos, vêm acompanhados de bandeiras como Visa e Mastercard, o que permite o uso fora do estabelecimento. Em outros, funcionam exclusivamente dentro da própria loja.

De 14 varejistas consultadas, nove detalharam as principais regras. Todas as taxas informadas ficam acima da média geral do parcelado dos cartões medida pelo Banco Central, que inclui todos os tipos de cartão de crédito, inclusive os de loja.

Segundo dados referentes a junho, o juro médio anual do parcelamento era de 182,5% (9,03% ao mês). No crédito rotativo, a taxa média chegava a 441,4% ao ano (15,11% ao mês).

Os encargos por atraso são semelhantes entre os cartões consultados: em geral, há cobrança de multa de 2%, juros de mora de 1% ao mês e incidência de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

Entre as lojas que informaram os juros em caso de atraso, a com o maior custo no crédito parcelado é a Riachuelo, podendo atingir até 18,9% ao mês (698,3% ao ano). Já a Americanas foi a única, entre as que responderam, que não divulgou a taxa do seu cartão.

Apesar do CET (Custo Efetivo Total) elevado, cartões de loja também têm que seguir a norma do Banco Central que limita o uso do rotativo a 30 dias, com migração obrigatória para o parcelado no mês seguinte.

Atualmente, o valor total cobrado de juros e encargos financeiros no rotativo e no parcelamento da fatura do cartão não pode ultrapassar 100% do valor da dívida principal. Ou seja, a dívida não pode ultrapassar o dobro do valor devido. Esse limite continua valendo mesmo se a dívida do rotativo passar para o parcelado.

Segundo Ione Amorim, economista e consultora do programa de serviços financeiros do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), na prática, fazer essa conta não é tão simples. Isso acontece porque, enquanto paga o parcelamento de uma fatura já atrasada, o consumidor continua usando o cartão para novas compras ou já tem outras parcelas antigas a vencer.

Ela diz que apesar da facilidade nas compras, a exposição a taxas de juros mais altas que as de cartões convencionais (no caso de o consumidor não conseguir quitar a fatura) pode gerar um endividamento perigoso.

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COMO FUNCIONA EM CADA LOJA?

RIACHUELO

Cartões: Cartão Riachuelo (private label) e Cartão Riachuelo Mastercard

– Quem administra o cartão? Midway, do grupo Guararapes

– Qual é a taxa para saques? Tarifa de R$ 18,90 por saque + *taxa de 17,49% a.m. (*proporcional aos dias entre o saque e o vencimento da fatura)

– Há cobrança de anuidade? Não, para o cartão private label. Para o Mastercard, 12x de R$ 14,80 (R$ 177,60)

– Há tarifas adicionais? Avaliação emergencial: R$ 17,90 (Mastercard, fora da Riachuelo). Em caso de atraso, há multa de 2% e juros conforme perfil do cliente

– Juros do parcelamento: De 5,9% a 18,90% a.m., conforme perfil, a empresa informou que não tem rotativo

– Benefícios: 10% de desconto na primeira compra, 10% de cashback no ecossistema da marca, clube de benefícios com descontos em parceiros

– Onde usar? Private label: apenas na Riachuelo, Carter’s, Fanlab e Casa Riachuelo. Mastercard: uso nacional

RENNER

Cartões: Cartão Renner (private label) e Meu Cartão (Visa/Mastercard)

– Quem administra o cartão? Realize Crédito, da Lojas Renner S.A

– Qual é a taxa para saques? R$ 16,90 (para saques no Brasil). No exterior, apenas para o Meu Cartão: R$ 14,90. Juros de até 17,90% a.m. (621,38% a.a.) para os dois cartões; CET de até 839,83% a.a. para saque rápido (20,22% a.m.)

– Há cobrança de anuidade? Cartão Renner: não. Meu Cartão: até R$ 299,88 (12x de R$ 24,99)

– Há tarifas adicionais? Avaliação emergencial: R$ 23,90 (para o Meu Cartão); 2ª via: R$ 14,99 (Meu Cartão); SMS: R$ 3,90/mês (Meu Cartão)

– Juros do parcelamento: Meu Cartão: até 17,99% a.m. (CET 698,45% a.a.). O Cartão Renner não emite fatura, somente carnê.

– Juros do rotativo: Até 18,99% a.m. (CET 784,33% a.a.) para os dois cartões

– Benefícios: Cartão Renner: 30 dias para começar a pagar no modo carnê, desconto de 10% na primeira compra, uso em lojas do grupo, cartões adicionais gratuitos, saques, seguros e parcelamentos exclusivos. Meu Cartão: aceitação global, parcelamento flexível e seguros exclusivos

– Onde usar? Cartão Renner: lojas do grupo e Panvel. Meu Cartão: uso em estabelecimentos nacionais e internacionais

MAGALU

Cartões: Cartão Luiza Preferencial, Cartão Luiza Ouro e Cartão Magalu

– Quem administra o cartão? Luizacred

– Qual é a taxa para saques? R$ 18 (Brasil); R$ 25 (exterior)

– Há cobrança de anuidade? Cartão Luiza Preferencial: R$ 14,99. Cartão Luiza Ouro e Magalu: sem anuidade

– Há tarifas adicionais? Envio de mensagem automática: R$ 7,99. Segunda via: R$ 14,90. Avaliação emergencial: isenta.

– Juros do parcelamento: Até 16% a.m.

– Juros do rotativo: Até 17% a.m.

– Benefícios: Cartão Magalu: 2% de cashback no Magalu. Em todos: parcelamento estendido de até 30x, descontos em farmácias, laboratórios do grupo Dasa, na Netshoes e Época Cosméticos

– Onde usar? Em qualquer estabelecimento

AMERICANAS

Cartão: Cartão cliente•a

– Quem administra o cartão? BrasilCard (bandeira Visa)

– Qual é a taxa para saques? Não tem opção de saque

– Há cobrança de anuidade? Tarifa de R$ 19,90 no mês em que houver fatura

– Há tarifas adicionais? Limite extra de 15%: R$ 14,90. Segunda via: R$ 19,90

– Juros do parcelamento e do rotativo: Não informados *

– Benefícios: Descontos exclusivos, programa de fidelidade com acúmulo de pontos para abater faturas e produtos

– Onde usar? Americanas (loja, site, app) e estabelecimentos credenciados Visa

*A Americanas não informou as taxas de juros, mas disse que quando o pagamento da fatura é parcial ou mínimo, ocorre o saldo restante é transferido para o próximo vencimento, com a devida aplicação de taxas e juros, que são operadas pela Brasilcard

CARREFOUR/ATACADÃO/SAM’S CLUB

Cartões: Cartão Carrefour, Cartão Atacadão e Cartão Sam’s Club

– Quem administra o cartão? Banco Carrefour (CSF S.A.)

– Qual é a taxa para saques? Saque à vista: R$ 17,90. Saque parcelado: R$ 15,90

– Há cobrança de anuidade? Cartão Carrefour: anuidade zero com ao menos uma compra mensal na rede. Cartão Atacadão: cobra anuidade. Sam’s Club: isenção para sócios ativos

– Há tarifas adicionais? SMS: R$ 5,99/mês. Segunda via e avaliação emergencial: isentas

– Juros do parcelamento: A partir de 26,68% a.a.

– Juros do rotativo: A partir de 42,41% a.a.

– Benefícios: descontos exclusivos, parcelamentos em até 15x, 10x nas drogarias Carrefour, mais prazo em postos de combustíveis e condições diferenciadas no Carrefour, Atacadão e Sam’s Club

– Onde usar? Dentro e fora das lojas das marcas e também internacionalmente

ASSAÍ

Cartão: Cartão Passaí

– Quem administra o cartão? FIC (Financeira Itaú CBD)

– Qual é a taxa para saques? R$ 18 por operação + juros de 17% a.m. (limite de saque: R$ 520)

– Há cobrança de anuidade? Sim. R$ 199,80/ano (1 2x de R$ 16,65)

– Juros do parcelamento: 12,40% a.m.

– Juros do rotativo: 17% a.m.

– Benefícios: preço de atacado na primeira unidade, parcelamentos diferenciados para alimentos, pneus e eletrodomésticos, descontos em laboratórios Dasa e acesso ao programa Vai de Visa

– Onde usar? Em qualquer estabelecimento no modo cartão de crédito

EXTRA/PÃO DE AÇÚCAR

Cartões: Extra Mastercard Gold, Pão de Açúcar Mastercard Platinum, Pão de Açúcar Mastercard Black

– Quem administra o cartão? FIC – Financeira Itaú CBD

– Qual é a taxa para saques? R$ 18 por saque + juros mensais: Extra Gold (16,99%), Pão de Açúcar Platinum (17%), Black (16,50%). Limite varia: R$ 300 a R$ 1.000, conforme o cartão

– Há cobrança de anuidade?

Extra MC Gold: R$ 198/ano (isenta com gasto de R$ 30/mês nas lojas)

Pão de Açúcar Platinum: R$ 198/ano (isenta com uma compra/mês na rede)

Pão de Açúcar Black: R$ 678/ano (R$ 56,50 x 12)

– Há tarifas adicionais? Segunda via: R$ 14,90

– Juros do parcelamento? Extra e Pão de Açúcar Platinum: 12,40% a.m./Black: 12,90% a.m.

– Juros do rotativo: 17% a.m.

– Quais são os principais benefícios?

– Extra MC Gold: 10% de desconto em produtos Qualitá, anuidade gratuita com gasto mínimo e descontos na rede de laboratórios Dasa

– Pão de Açúcar Black: 20% de desconto em vinhos e produtos Qualitá, programa de pontos (até cinco pontos por dólar), cashback ou milhas, descontos Dasa

– Pão de Açúcar Platinum: 20% de desconto em vinhos e produtos Qualitá, descontos Dasa

– Onde posso usar o cartão? Em qualquer estabelecimento, além das lojas da rede

A reportagem também procurou Marisa, C&A, Pernambucanas, Casas Bahia, Ponto e Havan. A maioria dessas redes apresenta os benefícios dos cartões em seus sites, como descontos e parcelamentos exclusivos, mas nem todas informam com clareza as taxas de juros e outras cobranças envolvidas no uso do produto.

VALE A PENA TER UM CARTÃO DE LOJA?

Para Ione Amorim, para quem já tem cartões emitidos por instituições financeiras, pode não fazer sentido contratar um novo cartão só porque está sendo pressionado para ter um desconto momentâneo.

Já para quem não tem nenhum cartão, Ione diz que ele pode ser uma forma de acesso, desde que o uso seja muito controlado e voltado apenas para compras necessárias.

QUE CUIDADOS DEVO TER AO CONTRATAR?

É importante solicitar o contrato para verificar todos os custos envolvidos, como tarifas de manutenção, anuidade e juros em caso de parcelamento. É essencial perguntar se há serviços embutidos, como seguros ou programas pagos, que podem gerar cobranças adicionais.

“O simples benefício do desconto de 10% na primeira compra pode vir acompanhado de tarifas e condições que exigem uso regular do cartão. Se você não fizer compra todo mês, por exemplo, pode ter que pagar anuidade”, diz Ione.

O QUE FAZER SE ENCONTRAR COBRANÇAS INDEVIDAS?

A primeira medida deve ser entrar em contato com a própria financeira, solicitando a documentação do contrato e o estorno do valor cobrado. Se o problema não for resolvido, é possível registrar reclamação no Procon, no site consumidor.gov.br e também no Banco Central.