SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A gestão Ricardo Nunes (MDB) voltou a notificar a Companhia Mungunzá para que deixe o espaço onde funciona o Teatro de Contêiner, na Luz. A citação, assinada pelo subprefeito da Sé, coronel Salles, dá um prazo de 15 dias para a saída do coletivo do espaço.

Como o documento foi assinado e recebido no dia 6 de agosto, o prazo termina na próxima quinta-feira (21). No texto, o subprefeito, que é integrante da PM, fala em uso de “gradação coercitiva” para o esvaziamento do terreno. A prefeitura afirma que pretende usar o espaço para um projeto habitacional.

Salles afirma que o grupo foi notificado pela primeira vez a deixar a área no dia 28 de maio e que os artistas tiveram seu pedido de defesa indeferido, segundo publicação no Diário Oficial de 26 de junho. O terreno é público e está ocupado pela companhia desde 2016. O teatro foi inaugurado no início do ano seguinte.

Em nota, a prefeitura afirma que “o canal de diálogo continua aberto para a transferência do teatro a fim de dar início ao processo de revitalização da região” e que “aguarda a manifestação do teatro, no prazo de 15 dias a contar da última notificação, no dia 5 de agosto de 2025, para analisar as providências cabíveis”.

Integrantes do grupo não acreditam mais na possibilidade de continuar no espaço, mas lutam para que a mudança seja feita sem causar prejuízo às apresentações deles e de outros grupos já agendadas e com a relocação do teatro em um espaço onde possa manter suas características e trabalho.

Sem essas condições, dizem que irão resistir. Eles chegaram a propor um projeto que mantém o teatro onde está e abre espaço para a construção de um prédio residencial no mesmo terreno.

Atualmente, o teatro recebe apoio de dois editais estaduais e um municipal, para os quais foi selecionado por uma comissão de seleção, inclusive de manutenção do espaço artístico. Segundo a equipe, o teatro tem pelo menos 60 apresentações já programas até o dia 20 de dezembro. Com isso, os artistas pedem a permanência até o final do ano.

Nunes, o subprefeito e os secretários Totó Parente (Cultura) e Regina Santana (Direitos Humanos) são alvos de um inquérito civil do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que apura “ato doloso de improbidade administrativa” em razão da primeira ordem de despejo, datada de maio.

A investigação segue sendo feita pela Promoria, que afirma não haver informações detalhadas do projeto habitacional que a prefeitura diz que será instalado no local. O órgão acrescenta que tampouco foi estabelecido um diálogo com os artistas e o coletivo Tem Sentimento, que oferece oficinas de costura no mesmo terreno para mulheres cis, trans e migrantes em situação de vulnerabilidade social.

O promotor responsável, Paulo Destro, diz que o “patrimônio cultural, enquanto direito difuso, deve ser preservado em atenção inclusive às gerações futuras”. Lembra ainda que a área estava em desuso quando o grupo se instalou.

Em junho, a prefeitura chegou a propor a transferência do teatro para um terreno na Liberdade. A proposta foi recusada pelo grupo, por retirá-lo de seu espaço de criação, onde estava instalada a cracolândia. Pelo menos duas de suas peças fazem menção direta ao bairro, Epidemia Prata (2018) e Cena Ouro Epide(r)mia (2023).

Os artistas alegavam ainda que o terreno proposto descaracterizava o próprio conceito da construção do teatro, formado por 11 contêineres marítimos, alguns deles com laterais envidraçadas, o que permite que as pessoas que passam pela rua vejam o desenrolar do espetáculo e que a região seja parte do cenário da peça apresentada em seu interior.

Em 2023, foi indicado pelo Sesc São Paulo, como um exemplo de inovação em arquitetura teatral no Iteac, um evento especializado no tema realizado em Londres. Além de apresentar suas peças, a companhia recebe ensaios e apresentações de outros grupos.

Outro terreno, na rua Helvétia, no centro, também foi oferecido para a companhia. No local, funcionava o Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica (SIAT) para usuários abusivos de álcool e outras drogas em situação de vulnerabilidade.

Além de não permitir a visualização externa, os artistas dizem que o terreno fica entre um posto de combustível e uma estação de transmissão de energia, com barulho constante. “Não sei nem se conseguiríamos as licenças dos bombeiros para funcionar lá como teatro”, diz Marcos Felipe, integrante do grupo.

Por outro lado, o grupo afirma ter levado quatro sugestões de espaço para as negociações com o poder municipal. Na mesma quadra da rua Helvétia, mas do outro lado da rua; na rua Mauá, ao lado do Memorial da Resistência; na rua Albuquerque Lins, ao lado do metrô Marechal Deodoro; e no Parque da Luz, em uma área que não é arborizada e que poderia oferecer uma entrada voltada para o lado externo.

A prefeitura confirma, em nota, ter recebido e rejeitado as duas primeiras dessas propostas sob a alegação de que os imóveis pertencem ao governo estadual. “Um deles cedido à CDHU para a construção de moradias populares e o outro em área operacional da CPTM.” A prefeitura nega ter recebido outras sugestões de endereço.

No último dia 8, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, e a presidente da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Maria Marighella, enviaram um ofício ao prefeito e ao secretário de Cultura em que pedem a extensão do prazo de saída para 180 dias. Para ela, o aumento do prazo é importante para “alternativas de mitigação do impacto dessa desocupação possam ser desenvolvidas, no sentido de manter esse importante equipamento cultural em funcionamento, ainda que em outro local”.