BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A nova ofensiva do centrão para ampliar a blindagem de parlamentares insere-se em um histórico de alterações na legislação dos crimes de colarinho branco lideradas desde 2016 pelo grupo, que nesses anos também barrou propostas que visavam endurecer as regras.

Se nos últimos anos a movimentação do bloco, majoritário na Câmara e no Senado, se deu em reação à Lava Jato, agora o alvo são as emendas parlamentares.

Acordo costurado pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e bolsonaristas prevê agora acabar com o foro privilegiado de autoridades no Supremo Tribunal Federal e retomar a exigência de prévia autorização do Legislativo para que congressistas sejam processados criminalmente, medida que foi derrubada pelo próprio Congresso em 2001.

O projeto —que ainda não veio a público e está sendo consolidado pelo líder da bancada do PP, Doutor Luizinho (RJ)— tem como principal motivação as investigações conduzidas no STF sobre suspeitas de corrupção na destinação das bilionárias emendas parlamentares.

Só em fevereiro eram mais de 80, de acordo com o que disse a parlamentares Flávio Dino, ministro do STF responsável por várias dessas investigações.

Com base em pressão popular derivada de escândalos como o dos Anões do Orçamento, nos anos 1990, o do mensalão, em 2005, o dos sanguessugas, em 2006, além dos protestos de 2013, o país estabeleceu paulatinamente uma série de regras que formam a espinha dorsal da legislação dos crimes de colarinho branco.

Entre outras, a Lei de Improbidade (8.429/92), que penaliza na área cível agentes públicos envolvidos em desvios, a Lei de Lavagem de dinheiro (9.613/1998), que criou o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), a Lei da Ficha Limpa (135/2010), que barra candidaturas de políticos com problemas na Justiça, e a lei que deu a delatores maior garantia de benefícios judiciais em troca de informações.

A partir de 2014, a Operação Lava Jato começou a abalar os alicerces políticos do Brasil se ancorando em parte dessas leis. A repercussão dos casos de corrupção envolvendo Petrobras, empreiteiras e políticos atingiu políticos da esquerda à direita.

Ainda em 2016, no auge do prestígio da operação, partidos de esquerda, centro e direita na Câmara se articularam para aplicar a primeira grande derrota aos símbolos da Lava Jato, o então chefe da força tarefa de procuradores da República, Deltan Dallagnol, e o então juiz da operação, Sergio Moro.

Em uma votação na madrugada, a Câmara dos Deputados desfigurou o pacote de “Dez Medidas contra a Corrupção”, bandeira da força tarefa. Amparada na assinatura de mais de 2 milhões de eleitores, ela visava endurecer as regras, mas também sofria críticas de especialistas.

“Está sendo dizimado [o pacote]. Do jeito que vai as dez medidas vão virar meia medida”, lamentou no fim daquela madrugada o então relator da proposta, Onyx Lorenzoni, que depois viraria ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro.

Apesar do tranco, que foi capitaneado por PP e PT, o Congresso teve nessa época poder apenas de barrar novas medidas, não de desfigurar as já existentes.

Após esse prelúdio, o centrão e outros partidos da esquerda à direita no Congresso começaram a mais efetiva de reação à Lava Jato no crucial ano de 2019, primeiro da gestão Bolsonaro.

Em maio, barraram a ida do Coaf para o ministério da Justiça de Moro, que havia acabado de abandonar a magistratura para embarcar no governo Bolsonaro. O órgão foi devolvido para a Pasta da Economia (atual Fazenda) e hoje está na alçada do Banco Central.

Ainda naquele ano, em setembro, o Congresso aprovou a Lei de Abuso de Autoridade, detalhando punição a excessos durante investigações e processos.

Três meses antes a popularidade e credibilidade da operação começavam a ruir após após a revelação pelo site The Intercept Brasil de mensagens que mostravam colaboração entre Moro e Dallagnol durante as investigações.

O calhamaço de mensagens que ficou conhecido como “vaza jato” pautou o crescente declínio da Lava Jato, um contra-ataque mais contundente do mundo político e o seu completo esvaziamento por sucessivas anulações definidas por ministros STF (Supremo Tribunal Federal), algumas perdurando até hoje.

Nesta sexta sexta-feira (15), por exemplo, Dias Toffoli anulou todos os atos da Lava Jato e de Moro contra João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT. Já Kassio Nunes Marques desempatou julgamento em favor do ex-ministro Antonio Palocci, também em relação às ações da força-tarefa e de Moro.

O tribunal também atuou em 2019 para limitar a ação do Coaf, o que na época suspendeu mais de 900 investigações pelo país.

O ano de 2019 encerrou com Bolsonaro ignorando a maioria das sugestões de vetos enviadas por seu ministro da Justiça para o chamado pacote anticrime, principal bandeira de Moro na pasta e que também havia sido desfigurado na tramitação no Congresso.

“A maior perda [em relação à Lava Jato] decorreu da mudança da jurisprudência do STF, com o fim da prisão após condenação em segunda instância e que levou a soltura de Lula e de criminosos condenados”, disse Moro, hoje senador pelo União Brasil do Paraná.

A decisão citada pelo senador ocorreu também em 2019, quando o plenário do STF alterou jurisprudência que havia adotado três anos antes e, por 6 votos a 5, decidiu que um condenado só pode ser preso após o chamado “trânsito em julgado”.

Moro afirmou ainda ser favorável ao fim do foro privilegiado, que, segundo ele, é causa de impunidade ou de perseguição política.

“Não faz bem ao STF nem ao Congresso. O ideal seria o foro na primeira instância, mas não vejo maiores problemas em se cogitar os tribunais regionais federais como foro inicial”, disse. Sobre a volta da exigência de autorização prévia do Legislativo para processo criminal, ele afirma ser contra, defendendo a manutenção da regra atual que dá ao Congresso poder de sustar ações penais.

Em 2021, a Câmara aprovou sob a presidência de Lira —que havia sido condenado em duas ações por improbidade em Alagoas— projeto que abrandou a Lei de Improbidade Administrativa, exigindo para a configuração do crime a comprovação de dolo, ou seja, da intenção de lesar a administração pública.

Os defensores da medida apontam que isso foi importante para barrar condenações por corrupção de falhas de gestão que não envolviam má-fé.

O ex-presidente da Câmara costurou agora com a oposição o acordo sobre os novos projetos de blindagem em meio à ocupação bolsonarista do plenário da Câmara. Aliados de Bolsonaro dizem ver nas medidas uma reposta ao que consideram abusos do ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), já disse que pode levar a votação essas medidas diante do que ele classificou como “exageros” por parte do Judiciário.