RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O auxiliar administrativo Lucas Neiva, 34, deixou a zona norte do Rio de Janeiro à procura de oportunidades de trabalho na região metropolitana de Florianópolis no início de 2024.
Com a mudança, ele voltou a viver perto do pai, que havia migrado para a capital catarinense em busca de mais segurança em 2019, antes da pandemia.
“Para meu pai, a gota dágua foi a violência. Ele tinha saído para caminhar com a esposa no Grajaú [zona norte do Rio] e apontaram uma arma para o peito dele. Por sorte, não aconteceu nada.”
Lucas afirma que a sensação de insegurança também influenciou a sua decisão de migrar, embora não tenha sido a principal razão.
“Não é que aqui [SC] seja perfeito, mas tem algumas coisas básicas, como pegar o celular no ponto de ônibus sem medo de ser roubado”, diz.
O movimento feito por Lucas não é isolado. Dados do Censo Demográfico 2022 apontaram que o estado do Rio de Janeiro teve o saldo migratório mais negativo do país em termos absolutos: -165,4 mil pessoas.
Esse resultado é a diferença entre a chegada de imigrantes (167,2 mil) e a saída de emigrantes (332,6 mil) em uma comparação de cinco anos (2017 a 2022). O indicador investiga os fluxos entre as unidades da federação.
Ao ficar negativo, o saldo do Rio de Janeiro mostra que o estado perdeu mais gente do que recebeu a partir desses processos. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou os números no fim de junho.
Analistas consultados pela reportagem afirmam que as condições do mercado de trabalho e de segurança podem explicar ao menos parte do cenário fluminense.
“É uma perda de atratividade”, diz o economista Marcelo Neri, diretor do centro FGV Social.
O Rio de Janeiro teve no ano passado uma taxa de 22,1 mortes violentas a cada 100 mil habitantes, o que coloca o estado na 15ª posição no ranking entre as unidades da federação os vizinhos São Paulo (8,2) e Minas Gerais (15,1) apresentaram números menores. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo Neri, embora a violência não seja um problema só do Rio de Janeiro, a percepção sobre a área no estado piora com as constantes disputas de grupos criminosos por territórios.
“O Rio de Janeiro está sendo considerado uma espécie de resort do crime. Criminosos de outros estados estão sendo presos aqui.”
Neri também chama a atenção para indicadores como a taxa de desemprego fluminense (8,1%), que supera os níveis registrados em outros locais do Sudeste e do Sul, mesmo com a recuperação após a pandemia. “O Rio ainda tem uma informalidade que é alta”, acrescenta.
O IBGE divulgou o saldo migratório dos estados nos últimos quatro Censos. Antes da edição de 2022, o Rio de Janeiro só havia mostrado resultado negativo em 1991 (-69,5 mil). Os saldos foram positivos nos dois levantamentos seguintes, em 2000 (+45,5 mil) e 2010 (+23,1 mil).
“O Rio de Janeiro perdeu protagonismo econômico ao longo do tempo”, diz o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador aposentado do IBGE. “Com isso, é de se esperar que o estado deixe de atrair tantas pessoas e que parte delas saia.”
Na visão do especialista, o avanço do trabalho remoto após a pandemia pode ter contribuído para a ida a locais com custo de vida mais baixo que a capital fluminense.
O demógrafo ainda avalia que a violência do Rio de Janeiro é um problema bastante presente no imaginário dos brasileiros.
Isso, afirma, afasta “muita gente” do estado, embora a insegurança também seja sentida em outras regiões do país. “Tenho vários parentes que têm medo de vir para o Rio.”
Entre as pessoas que deixaram os municípios fluminenses no período de 2017 a 2022, destacam-se os deslocamentos para os estados vizinhos de São Paulo (21,4%), Minas Gerais (17,7%) e Espírito Santo (7,3%), de acordo com o IBGE.
Para o economista e professor Mauro Osorio, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a migração em queda reflete uma crise institucional que se arrasta por décadas no Rio de Janeiro, desde episódios como a transferência da capital brasileira para Brasília “sem compensações”.
Segundo ele, essa turbulência resultou em dificuldades em áreas como mercado de trabalho, infraestrutura e segurança. “Não é só a violência. É uma crise institucional. A violência é um dos desdobramentos”.
“A gente precisa ampliar a reflexão regional, além de organizar um programa de investimentos e a máquina pública estadual”, acrescenta Osorio.
Em nota, o Governo do Rio de Janeiro afirma que tem atuado em “várias frentes” que impactam a dinâmica migratória.
A gestão Cláudio Castro (PL) destaca a criação de 112 mil empregos com carteira assinada de julho de 2024 a junho de 2025, além de 50 mil novos negócios nos sete primeiros meses de 2025, o que seria um recorde para o período.
Sem detalhar o intervalo, a gestão estadual fala em investimentos superiores a R$ 4,5 bilhões na área de segurança.
“Como resultado, nenhuma cidade do estado aparece entre as 20 mais violentas do Brasil, segundo o Anuário da Segurança Pública”, diz.
“Esses avanços contribuem para fortalecer o ambiente econômico e social do Rio de Janeiro, com reflexos diretos na decisão de permanecer, empreender ou se estabelecer no estado”, completa.
SP TAMBÉM PERDE
Ao divulgar os dados do Censo 2022, o IBGE também destacou o caso paulista. Conforme o instituto, o estado de São Paulo registrou saldo migratório negativo pela primeira vez na pesquisa (-89,6 mil).
Enquanto isso, Santa Catarina teve o maior ganho entre chegadas e partidas (+354,4 mil).