SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Sefaz-SP (Secretaria Estadual da Fazenda de São Paulo) lançou duas frentes de trabalho para rever processos e apurar possíveis irregularidades envolvendo o ressarcimento do ICMS retido por substituição tributária a empresas do varejo, pivô de um escândalo que levou à prisão, entre outros envolvidos, do auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto e de Sidney Oliveira, dono da Utrafarma. O empresário foi solto na noite de sexta (15), sob fiança de R$ 25 milhões e com a exigência de usar tornozeleira eletrônica.
Na quinta-feira (14), a alta cúpula da pasta esteve no Ministério Público de São Paulo para se colocar à disposição das investigações iniciadas com a Operação Ícaro e solicitou o compartilhamento das provas colhidas para coordenar as investigações internas e aprofundar a análise de possíveis irregularidades.
Segundo a secretaria, a primeira medida, tomada pela Corregedoria da pasta, foi a instauração de um procedimento administrativo disciplinar para apurar a engenharia das liberações de créditos de ICMS em São Paulo.
“O objetivo é ampliar e detalhar o que já foi identificado, garantindo que práticas como essas não se repitam”, informou a pasta em nota enviada à Folha.
Segundo a secretaria, o grupo de trabalho criado pela Corregedoria irá revisar todos os pedidos de ressarcimento relacionados às práticas apontadas nas investigações, começando pelas empresas já citadas pelo Ministério Público.
Na quinta (14), o diretor-geral executivo da Administração Tributária da pasta, Andre Weiss, determinou a composição de um grupo de trabalho. Oito auditores fiscais devem trabalhar nesse pente-fino por, pelo menos, seis meses. Segundo portaria publicada no Diário Oficial do estado, Weiss poderá prorrogar o prazo de duração do grupo de trabalho se necessário.
As suspeitas investigadas pela Operação Ícaro, deflagrada na última terça-feira (12), envolvem um suposto esquema bilionário de propinas e créditos de ICMS irregulares. Somente na primeira fase da operação, o Ministério Público acredita que tenham sido movimentados R$ 1 bilhão em propina.
Segundo o MP-SP, a fraude tinha duas etapas. Na primeira, os servidores suspeitos de corrupção agiriam para acelerar a emissão de créditos tributários a que empresas tinham direito.
Na segunda, o cálculo dos créditos tributários devidos seria adulterado e auditores fiscais apresentariam valores inflados, ainda de acordo com a apuração. Contudo, o MP-SP diz não dispor de instrumentos nem de corpo técnico para o cálculo dos valores reais. Esse é o trabalho que a gestão Tarcísio de Freitas terá de fazer para colaborar com o caso.
De acordo com a Sefaz-SP, a própria pasta já havia identificado “opacidade” nos procedimentos regidos pela Portaria CAT 42, de 2018, relativa aos créditos de ICMS, e iniciado medidas para dar mais transparência.
No início da gestão Tarcísio, diz a secretaria, foi implantado um processo eletrônico para mapear o fluxo dos pedidos de ressarcimento, com registro de todos os arquivos submetidos e andamentos processuais, visando criar, ao final, uma conta fiscal de controle dos saldos.
Internamente, técnicos da Fazenda paulista afirmam que a implementação do processo de controle no início do atual governo foi um ponto positivo para acompanhar o trabalho dos auditores.
Por outro lado, eles reconhecem que o esquema só foi desarmado porque o Ministério Público detectou irregularidades nas movimentações financeiras de Silva Neto e sua mãe, Kimio Mizukami da Silva, que aparece na investigação como única sócia da Smart Tax, empresa considerada de fachada.
A secretaria afirma que, no primeiro semestre de 2023, Silva Neto deixou a função de supervisor da área responsável por esse tipo de processo. Os investigadores trabalham com a hipótese de que ele tenha recebido ajuda de outros servidores, uma vez que as irregularidades seguiram até sua prisão.
Procurado, o advogado Paulo Cunha Bueno, representante de Silva Neto, afirmou não ver quaisquer argumentos fáticos ou técnicos para renovar sua prisão e que irá pedir sua liberdade provisória. Sobre a movimentação interna da Sefaz-SP, ele não comentou.
A defesa de Kimio Mizukami da Silva não foi localizada.
Como mostrou a Folha, na segunda fase da investigação, o MP-SP deve ampliar o radar para avaliar empresas que compraram créditos de ICMS das companhias envolvidas na operação, principalmente da Fast Shop, que segundo a promotoria repassou parte desses créditos a gigantes do varejo.
A intenção é descobrir se essas compradoras tinham conhecimento de que os créditos haviam sido obtidos de forma ilegal. Também falta ao órgão explicar a citação feita a outras redes de varejo que teriam supostamente alimentado o esquema elaborado pelo auditor Silva Neto.
Segundo a Sefaz-SP, será priorizada a aceleração do novo sistema informatizado, que controlará não apenas o processo, mas os procedimentos e as regras de conformidade, com malhas fiscais e uso de tecnologia para reforçar a integridade do fluxo.
Neste meio tempo, será feita a análise de um procedimento para apurar a atuação de Silva Neto e de Marcelo de Almeida Gouveia, auditor fiscal que também foi preso na operação Ícaro. Ambos seguem presos temporariamente.
A defesa de Gouveia não se manifestou até a publicação desta reportagem.
A Ultrafarma afirmou que está colaborando com a investigação e que a marca segue comprometida com a transparência, a legalidade e trabalho legítimo e “com a confiança que milhões de brasileiros depositam diariamente na empresa”.
A Fast Shop disse que está colaborando integralmente com as autoridades. E reforçou que as investigações tramitam sob sigilo judicial.
Não há uma data para que essa análise seja concluída e a pasta depende das informações coletadas pelos promotores para avançar no possível processo de exoneração dos auditores fiscais.