SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não é pelo tema que o documentário “No Céu da Pátria nesse Instante” chama a atenção.

Com estreia nos cinemas nesta quinta (14), o filme de Sandra Kogut aborda o período que vai do primeiro semestre de 2022 a janeiro de 2023, quando ocorreram os ataques às sedes dos três poderes, em Brasília. Essa fase, uma das mais dramáticas da história política brasileira, já foi retratada e discutida em outros documentários, além de um número infindável de reportagens.

A originalidade da produção está no modo como trata o assunto. Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro, os principais oponentes da disputa de outubro de 2022, aparecem de modo lateral. Os nomes destacados pela cineasta são figuras anônimas, gente que moveu a corrida eleitoral sem ocupar o centro da cena.

Assim, entre outros, acompanhamos Rute, a perseverante funcionária da Justiça Eleitoral de Anajás, cidade da Ilha do Marajó, no Pará; a química Estela, admiradora de Lula e moradora do Rio de Janeiro; e o caminhoneiro bolsonarista Ferreirinha, de Curitiba.

“Acho muito difícil filmar um político porque está desempenhando um papel o tempo todo”, diz Kogut, que tem se dividido nas últimas três décadas entre documentários, como “Um Passaporte Húngaro”, de 2001, e produções de ficção, caso de “Campo Grande”, de 2015.

A diretora buscou pessoas que estão “ao lado ou atrás” dos protagonistas da corrida eleitoral de 2022. Aquelas nas quais “ninguém presta atenção”, segundo Kogut.

A única integrante desse núcleo central de “No Céu” que não se encaixa exatamente nesse rol de anônimos é a roteirista Antonia Pellegrino, casada com Marcelo Freixo, candidato derrotado ao governo do Rio naquele ano.

Para acompanhá-los em pelo menos seis cidades do país ao longo de quase um ano, a cineasta precisou coordenar uma logística intrincada. Primeiro, pediu aos participantes que fizessem diários com o próprio celular durante a campanha. Mais adiante, porém, notou que faltava ao filme um olhar próprio, o que a levou a arregimentar colaboradores para registrar o dia a dia desses personagens.

Os retratados pelo documentário são bastante diferentes entre si, especialmente nas paixões ideológicas, mas existe algo que os une ao longo de toda a jornada, a tensão. A cena de um treinamento de mesários é simbólica nesse sentido. Um deles levanta a mão para perguntar o que fazer se algum eleitor destruir a urna eletrônica; outro quer saber como reagir se encontrar alguém com uma arma. São temores colados à realidade mais recente do país.

“Não é um filme a respeito dos lados da política brasileira, é sobre um momento do Brasil marcado pelo medo, em que as pessoas não entendiam o que iria acontecer”, diz Kogut.

Esse ambiente de incerteza da vida política do país se fundiu às indefinições em relação à produção de “No Céu”, como conta a diretora. “Gosto de fazer documentários em que não sei bem o que vem pela frente. Ao longo daquele ano, me perguntei muitas vezes: vai ter eleição? Vai ter golpe? E também me perguntei: será que teremos um filme?”

A percepção de um tempo presente que se perpetua foi um dos aspectos que estimularam Kogut em um projeto com tantos pontos de interrogação. “Tinha a sensação de que estávamos presos em um eterno presente. Não conseguíamos ver o que aconteceria pela frente e também íamos esquecendo o que tinha acontecido, o escândalo de hoje te fazia esquecer o da semana passada e assim por diante. Estávamos zonzos.”

O interesse em conhecer eleitores com visões políticas distintas também a motivou. A cineasta diz que sempre foi transparente nas abordagens, dizendo aos convidados que se identificava mais com a esquerda. Poucos bolsonaristas, como Ferreirinha, aceitaram participar do projeto; a maioria procurada rejeitou o convite.

A boa vontade do caminhoneiro não impediu, porém, que impasses surgissem. A certa altura do documentário, eles conversam sobre as urnas eletrônicas. Kogut diz que mesmo as Forças Armadas tinham atestado a inexistência de fraudes na disputa de 2022. Ferreirinha responde: “Estou em um Brasil, e você em outro”.

NO CÉU DA PÁTRIA NESSE INSTANTE

– Quando estreia nos cinemas nesta quinta, 14 de agosto

– Classificação 12 anos

– Produção Brasil, 2023, 105 min.

– Direção Sandra Kogut