SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Meu filho não dormia, virava a noite acordado. Com a auriculoterapia, 20h30 ele já está na cama.” “Tenho muitas dores na coluna cervical, hoje estou muito mais disposta. As pessoas que moram comigo notam a diferença.” “Eu cheguei aqui à base de remédio para dor, hoje eu não tomo mais.”

Esses são relatos de pacientes que participam das sessões semanais gratuitas de auriculoterapia na UBS (Unidade Básica de Saúde) Jardim Colombo, na zona oeste de São Paulo, onde cerca de 60 pessoas são atendidas semanalmente. A prática é uma técnica da medicina tradicional chinesa que utiliza pontos específicos na orelha, considerada um microssistema do corpo, para tratar condições físicas e emocionais.

Na orelha, os profissionais posicionam sementes presas com adesivo, que pode ser micropore ou esparadrapo, em pontos que correspondem a órgãos ou funções do corpo. A estimulação desses pontos busca promover relaxamento, aliviar dores, reduzir a ansiedade, melhorar o sono e apoiar tratamentos complementares, incluindo controle da dor crônica, depressão e auxílio para parar de fumar.

A auriculoterapia pode ser aplicada com sementes de mostarda ou colza, esferas metálicas, agulhas ou estímulos magnéticos como laser. Com adesivo, podem ficar na orelha por até cinco dias. Em crianças pequenas, o laser é preferido por ser indolor e de fácil aceitação, segundo Rafaella Matera, médica de família e co-coordenadora do Grupo de Trabalhos de Práticas Integrativas Complementares da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade).

“A auriculoterapia é uma técnica não invasiva, de baixo custo e segura, que pode ser utilizada junto a outros tratamentos médicos sem interferir neles”, diz.

A UBS Jardim Colombo oferece práticas integrativas e complementares há quatro anos. Inicialmente, a auriculoterapia atendia apenas adultos, mas há cerca de oito meses passou a ser oferecida também a crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista) e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade). Nesses casos, a técnica tem se mostrado eficaz no controle de sintomas como agitação, irritabilidade e dificuldade de concentração.

É o caso de Leonardo, 11, filho da técnica em saúde bucal Ana Paula Andrade, 45. Com diagnóstico de TEA e TDAH, ele participa das sessões semanais há dois anos. Segundo a mãe, a prática teve um impacto positivo no comportamento e na saúde mental do filho.

“Hoje ele é outra criança. A agitação e a dificuldade de concentração melhoraram muito, assim como o desempenho escolar e a socialização.”

Outros pacientes adultos também relatam benefícios. A dona de casa Esanira Alves da Silva, 54, participa das sessões há seis meses e diz que conseguiu reduzir em 90% o uso diário de analgésicos para dor cervical e lombar, além de notar maior flexibilidade e facilidade nas atividades do dia a dia.

“Os músculos que antes estavam endurecidos ficaram mais flexíveis e levantar peso ou realizar tarefas do dia a dia ficou muito mais fácil”, diz.

Marinês Gonçalves, 48, diarista, diz que houve melhora na dor e na qualidade de vida após quase um ano de acompanhamento. Também conseguiu reduzir o uso de medicamentos e retomar atividades de trabalho com mais conforto.

A enfermeira Iraí Gomes, responsável pelas sessões na UBS, explica que cada paciente é avaliado de forma individual, para atender às necessidades específicas de cada um.

“Temos pontos para acalmar a mente e o coração, relaxar a musculatura e melhorar a função intestinal. Depois, fazemos um tratamento completo, equilibrando órgãos conforme a necessidade. Para pacientes de TEA, o foco é acalmar a mente. Para pacientes com dor, depende do local da dor, para reduzir o sintoma”, detalha.

As sementes utilizadas são lisas e redondas, próprias para auriculoterapia, sem risco de germinar caso caiam no ouvido. Podem ser colocadas diretamente no ponto conectado ao local de dor ou desequilíbrio ou nas imediações.

O paciente pode estimular os pontos com as mãos para reforçar o efeito, mas mesmo sem estímulo, a técnica já traz benefícios. “No caso de crianças como Leonardo, ele mesmo aprende a estimular o ponto quando começa a ficar agitado, permitindo que a mãe intervenha antes que a situação se agrave”, explica Gomes.

Matera acrescenta que, do ponto de vista biomédico, a estimulação da orelha ativa terminações nervosas ligadas ao nervo vago (que percorre o corpo ligando cérebro e órgãos, responsável por funções automáticas como frequência cardíaca, digestão e relaxamento), o que influencia o sistema nervoso e libera neurotransmissores que ajudam a reduzir dor, ansiedade e depressão.

“É uma técnica complementar, que não substitui medicamentos, mas pode reduzir doses de analgésicos, ansiolíticos ou antidepressivos e melhorar a qualidade de vida, principalmente em idosos e pacientes com polifarmácia [pessoas que utilizam múltiplos medicamentos ao mesmo tempo]”, diz.

A auriculoterapia é indicada para pessoas de todas as idades, mas exige capacitação específica para aplicação. Médicos, enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais podem aplicá-la, conforme protocolos reconhecidos pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

O Ministério da Saúde tem promovido a prática como parte das chamadas Pics (Práticas Integrativas e Complementares) —conjunto de abordagens de cuidado que buscam complementar a medicina convencional. Além da auriculoterapia, a iniciativa inclui práticas como acupuntura, yoga, meditação e massagem terapêutica.

Apesar dos relatos positivos de pacientes e da utilização em diferentes condições de saúde, a auriculoterapia ainda enfrenta limitações do ponto de vista científico. As especialistas ouvidas pela reportagem dizem , no entanto, que a prática é considerada segura, com poucas contraindicações, que são apontadas por Matera como ferimentos na orelha, alergias ou uso de anticoagulantes quando se usam agulhas, além de cuidados específicos em gestantes.

Na cidade de São Paulo, a SMS (Secretaria Municipal da Saúde) informa que há 479 unidades básicas de saúde, sendo que 93% oferecem auriculoterapia. A relação completa dos locais pode ser consultada no site da prefeitura.

O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.