SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A médica Thais Mauad, que estuda a presença do microplástico no corpo humano, diz que está desanimada com o fracasso das negociações por um tratado global contra a poluição plástica.
“Para a saúde, é uma catástrofe”, afirma. “É um dia de desesperança com a humanidade. A gente está imerso em uma montanha, em um mar de plásticos, e os interesses econômicos acabam prevalecendo”, avalia a professora da USP (Universidade de São Paulo).
Nesta sexta-feira (15), os países reunidos em Genebra não chegaram a um consenso e encerraram as discussões sobre um acordo que poderia limitar a produção de plástico. É a sexta reunião da Organização das Nações Unidas sobre o tema que termina sem resultados. Ainda não há uma data marcada para retomar as discussões.
“Não ter um tratado que comece do começo, que é parar a produção de plástico não essencial, é catastrófico. A gente já está com uma exposição muito grande, todos os órgãos humanos e todos os biomas estão contaminados, e isso só tende a piorar”, diz Mauad, que liderou os primeiros estudos a identificarem partículas de plástico em cérebros e pulmões humanos.
Ela avalia que as negociações na ONU pouco consideram os impactos do material à saúde humana e ambiental. “A ciência não é ouvida. Quantas pesquisas já existem mostrando todos os impactos, mas nada disso é verdadeiramente levado em consideração”, afirma.
Há indícios de que a presença do plástico no corpo humano possa estar relacionada a doenças cardiovasculares e disfunções hormonais.
“Como é triste ver que os interesses econômicos desses poucos países petrolíferos conseguem bloquear o que a sociedade civil inteira e o que vários países querem”, diz a médica. “É o mesmo está acontecendo na COP do clima, parece que a ciência e as pessoas não têm voz.”
O grupo dos países produtores de petróleo, do qual deriva o plástico, travaram o debate sobre mudanças na produção do material. O bloco inclui países como Rússia, Índia, China, Irã e Arábia Saudita.
Do outro lado estão os 66 países que compõem a chamada coalizão de alta ambição, liderada pela União Europeia e composto também por países da África e Oceania bastante afetados pela poluição plástica. Esse conjunto de nações queria discutir o chamado ciclo de vida do plástico, o que inclui sua produção global e o desenho de produtos para sua reutilização e reciclagem.
“Se tiverem ganhos na próxima reunião, eles vão ser muito pequenos. Uma grande quantidade de lobistas da indústria do petróleo frequenta as reunião da ONU, eles estão infiltrados nas comitivas de diversos países”, diz Mauad, que acompanhou a rodada anterior de negociações em Busan, na Coreia do Sul.
O uso global de plástico quadruplicou nos últimos 30 anos e pode dobrar até 2060. Pesquisadores estimam que, desde a década de 1950, a humanidade tenha produzido 9,2 bilhões de toneladas de material, das quais cerca de 7 bilhões de toneladas se tornaram resíduos.
“Há um futuro sombrio em relação ao assunto, porque a poluição vai continuar e os países em desenvolvimento, como o Brasil, vão continuar sendo receptores de todo o lixo plástico”, afirma a médica.
“Temos cada vez menos chance de progredir no assunto e, consequentemente, tudo que a ciência está falando tenderá a se agravar”, alerta.