BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Uma chuva de duas horas inundou Copenhague em 2011. Até o maior hospital da capital dinamarquesa sucumbiu à água. O episódio foi tão marcante que técnicos, urbanistas, arquitetos e políticos se reuniram para discutir o ocorrido. Do debate saiu um plano ambicioso de cidade-esponja, que, uma década depois, é modelo para o resto do planeta.

Ao longo do tempo, medidas como essa tiveram enorme impacto positivo na Europa. De acordo com cientistas do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático (PIK, na sigla em alemão), em 70 anos, providências de adaptação a inundações alcançaram uma redução de 63% nos prejuízos materiais e 52% no número de vítimas registrados no continente.

Estudo publicado nesta sexta-feira (15) mostra os efeitos da ação humana, para o bem e para o mal, sobre a questão. A análise de dados relacionados a 1.729 enchentes significativas registradas em países europeus de 1950 a 2020 atesta avanços na mitigação de um problema que não diminuiu. As cidades não deixaram de se expandir para áreas inundáveis e, é claro, a crise climática só cresceu.

De acordo com a pesquisa, o aquecimento global provocado pela queima de combustíveis fósseis respondeu por um aumento de 8% nos prejuízos e no número de pessoas afetadas pelas enchentes. Isso é o que faz um estudo de atribuição, estima a responsabilidade da mudança climática em determinado evento.

Os cientistas do PIK, no entanto, usaram os mesmos modelos para estimar também o efeito de mudanças introduzidas a partir das tragédias: diques, comportas, sistemas de alarme e até a adoção de novos regulamentos urbanos.

“As medidas de proteção contra inundações e outras medidas de adaptação compensaram em grande parte o risco crescente de inundações devido à expansão para planícies aluviais e às mudanças climáticas”, explica Dominik Paprotny, autor principal do estudo publicado na Science Advances.

Na maioria das regiões europeias, a magnitude dos impactos das inundações, em comparação a 1950, foi regulada principalmente por ações humanas diretas. O tamanho da população afetada e o valor econômico sob risco cresceram, mas a exposição ao problema foi amplamente compensada pela gestão do problema.

“A vulnerabilidade foi significativamente reduzida, mas o progresso na adaptação tem sido mais lento nos últimos 20 anos. Há a necessidade de esforços adicionais para evitar um aumento nas perdas provocado pela crise climática no futuro”, pondera Paprotny.

Em Copenhague, o “plano de gestão de temporais” espalha pela cidade centenas de obras de retenção e escoamento de água. O princípio é o mesmo dos jardins de chuva de São Paulo, mas as áreas envolvidas são bem maiores, assim como a renovação da complexa galeria subterrânea que trata, armazena e redistribui os volumes captados. O risco de enchentes, nas regiões de maior risco, foi reduzido de 30% a 50%.

A capital dinamarquesa faz a lição de casa não pelo que já ocorreu, mas pelo que está para acontecer. A frequência de eventos antes raros, que ocorriam a cada cem anos, por exemplo, deve dobrar com a mudança climática, assim como o estimado aumento do nível do mar, superior a um metro, projeta impacto dramático na região do Báltico.

“Podemos reduzir os danos através da adaptação, mas a adaptação tem os seus limites”, afirma Katja Frieler, coautora do estudo. “E, à medida em que o aquecimento cresce, ficamos mais perto deles.”

Em 2021, na Alemanha, esses limites foram amplamente superados pela inundação que atingiu o vale do Ahr, em que morreram 134 pessoas —o saldo no país inteiro foi de 190 vítimas—, mais do que o registrado em enchentes nas quatro décadas anteriores.

Análises posteriores mostraram que, além da excepcionalidade da chuva, fizeram falta sistemas de alerta e evacuação. Autoridades e população, em grande parte, também subestimaram o problema. O país promoveu fortes mudanças na região nos últimos anos.

“É importante monitorar continuamente o progresso na adaptação e os impactos das mudanças climáticas, além de reduzir rapidamente as emissões globais de gases de efeito estufa”, afirma Frieler.