SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O diretor Fernando Coimbra, de “O Lobo Atrás da Porta” (2013) e conhecido por trabalhos internacionais como “Narcos” e “Perry Mason”, retorna ao cinema brasileiro com um olhar, segundo ele, pouco comum no audiovisual nacional: O do crime praticado por quem já nasce cercado de privilégios.
“O cinema brasileiro geralmente foca na criminalidade entre as classes mais pobres, onde a adesão é por falta de opção. Em ‘Os Enforcados’, eu quis mostrar quem tem oportunidade, mas escolhe o crime mesmo assim”, afirma.
A ideia para o longa surgiu ainda nas gravações de seu primeiro filme, quando Coimbra passava pela Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e observava a elite carioca. “Senti que precisava falar sobre esse grupo. É uma camada da sociedade que, muitas vezes, vive isolada, mas consegue fazer vítimas sem sequer sair de suas mansões milionárias. A gente lê muito sobre esses casos, mas quase não vê no cinema”, explica.
Para ele, retratar esses personagens é também revelar o funcionamento de um Brasil onde o discurso moralista muitas vezes esconde práticas ilícitas. “Esse cidadão de bem que paga seus impostos, que fala em nome de Deus, mas que é muito corrupto… essas figuras foram saindo do armário e tomando o poder.”
O filme acompanha Valério (Irandhir Santos) e Regina (Leandra Leal), um casal que vive confortavelmente na zona oeste do Rio graças ao império do jogo do bicho construído pela família dele. O casal mata por dinheiro e poder num universo de disputas por negócios ilícitos.
Quando dívidas e traições ameaçam a vida confortável, eles encontram o que acreditam ser um plano infalível para se livrar de tudo -mas a execução os empurra para um ciclo de violência sem retorno. “Eu enxergo esse filme como uma história sobre casamento, porque a decisão de cometer um crime juntos é um pacto conjugal. E, como em muitos casamentos, o que começa como um projeto de vida degringola, alimentando paranoia e desconfiança mútua”, diz o diretor.
Leandra Leal, que interpreta Regina, destaca a transformação da personagem. “Ela passa por uma mudança muito grande em pouco tempo. A gente começa achando que vai acompanhar a vida do homem, e no final descobre que ela é a grande protagonista.”
O PÚBLICO RI DE NERVOSO
Para a atriz, a escolha de ambientar a história na elite dá ao filme um caráter único: “Normalmente, quando se fala sobre violência, jogo do bicho ou carnaval, a gente fala sobre a comunidade, sobre quem está na ponta. O Fernando escolheu mostrar quem lucra com isso”.
O diretor, que já havia trabalhado com Leandra em “O Lobo Atrás da Porta”, diz que sabia que a atriz poderia explorar as múltiplas camadas de Regina.
“Os personagens aqui não são bons ou maus. Eles próprios são seus piores inimigos, cruzam limites que não deveriam e que os levam à ruína”, afirma Coimbra, que também elogia Irandhir Santos: “Os dois são muito focados e criativos. Construímos os personagens juntos. Quis nadar contra a maré das produções atuais”.
“Os Enforcados” chegou aos cinemas na quinta-feira (14) e combina tragédia e humor ácido, o que, segundo Leandra, surgiu naturalmente. “Tem um humor que é parte da história, pela situação ridícula ou pelo absurdo. A normalização da ganância e da falta de ética faz o público rir de nervoso”, diz.
Para Coimbra, isso ajuda a aproximar a trama do espectador. “Falar através de um casamento gera identificação. Mesmo que você nunca tenha vivido algo tão extremo, consegue se ver nos sentimentos de fidelidade, traição e desequilíbrio que aparecem ali.”