BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A operação Ícaro, que prendeu o dono da rede de farmácias Ultrafarma e um executivo do grupo Fast Shop na terça-feira (12), é o episódio mais recente de uma série de investigações que tratam de suspeitas de irregularidades de auditores fiscais da Secretaria da Fazenda de São Paulo.

Essas ações das polícias e do Ministério Público envolvem, muitas vezes, alvos que se intercalam e que aparecem em mais de uma investigação de valores recebidos de forma indevida.

Um dos presos na operação da terça, o auditor fiscal Marcelo de Almeida Gouveia, já havia sido alvo em 2019 de um inquérito da Polícia Civil que investigava crime de lavagem de dinheiro -o caso acabou arquivado.

Agora, ele foi preso sob suspeita de ter auxiliado o auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto em um esquema criminoso que, segundo a investigação, movimentou mais de R$ 1 bilhão em propinas a integrantes da pasta.

Ele teria, de acordo com as apurações, auxiliado Artur a atender solicitações da Fast Shop relacionadas a créditos de ICMS. Artur é apontado pelas autoridades como o principal operador de um esquema de aprovação de pedidos irregulares de créditos do tributo.

Os dois auditores foram presos, assim como Sidney Oliveira (dono da Ultrafarma) e Mario Otávio Gomes (diretor estatutário do Fast Shop).

As investigações também mencionam relações dos investigados com o grupo Nós (dono da Oxxo) e a Kalunga. Essas empresas não foram alvos dos mandados de busca e apreensão por não haver indícios fortes de pagamento de propina, segundo a investigação.

O advogado de Marcelo Gouveia, Luciano Santoro, disse que não teve acesso aos procedimentos criminais e, por enquanto, não pode se manifestar sobre a investigação.

As defesas de Mário Otávio e Artur Gomes não foram localizadas.

O advogado Arthur Fiedler, que defende Sidney, também disse que não teve acesso ainda aos autos da investigação e que não pode comentar porque “o caso corre em segredo de Justiça”.

A Fast Shop afirmou que está analisando o conteúdo da investigação e que a empresa segue colaborando com as autoridades competentes. A Ultrafarma, o grupo Nós e a Kalunga também não se manifestaram.

A Secretaria da Fazenda de São Paulo disse, em nota, que atua de forma sistemática contra eventuais desvios de conduta, “em estrita colaboração com os órgãos de controle e investigação”, e que instaurou procedimento administrativo para apurar os fatos da operação Ícaro.

Desde 2015, grandes operações têm tentado apurar suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro feitas por fiscais da Fazenda de São Paulo.

À época, foi deflagrada a operação Zinabre, que ficou conhecida por relevar o que foi chamado de “Máfia do ICMS”, que envolvia pagamentos de propina a fiscais de aproximadamente R$ 20 milhões.

As investigações apontavam que fiscais receberam propina de uma empresa do ramo de fios e cabos em troca do cancelamento de multas e redução do imposto na importação de cobre.

No ano passado, dois fiscais, além de advogados e doleiro, foram condenados por crimes como extorsão tributária, lavagem de dinheiro e associação criminosa.

A Zinabre avançou com provas oriundas de delações premiadas que também geraram outros processos criminais, parte deles em andamento.

Em 2019, os investigadores fizeram uma operação contra suspeitas na Corregedoria da Secretaria da Fazenda e prenderam o ex-corregedor-geral Marcus Vinícius Vannucchi.

Na casa da sua ex-mulher, a polícia apreendeu US$ 180 mil e 1.300 euros em espécie numa sala escondida dentro da residência, que era tratada pelos policiais como um “bunker”, que só podia ser acessada por meio de controle remoto.

Vannucchi foi processado e investigado sob suspeita de cobrar propina para não apurar casos de corrupção envolvendo funcionários públicos e empresas.

Ele também abriu processos administrativos contra servidores que se dispuseram a informar ao Ministério Público suspeitas de irregularidades dentro da Secretaria da Fazenda.

No entanto, ele foi absolvido dos processos criminais por falta de provas. O Ministério Público recorre. Ele ainda responde a um processo sob suspeita de improbidade administrativa.

Em nota, o advogado de Vannucchi afirmou que, “apesar da longa duração do processo, o Ministério Público não conseguiu comprovar as acusações e a prática de qualquer crime cometido por ele, de sorte que a absolvição era a única alternativa possível”.

Marcelo Gouveia foi investigado junto com Vannucchi por ter arquivado um procedimento disciplinar relacionado a um dos envolvidos na Máfia do ICMS, o que levantou suspeitas da Promotoria e da polícia de que eles teriam recebido dinheiro para tomar essa decisão. A investigação policial acabou arquivada.

Uma apuração em andamento da Polícia Federal também tem apontado suspeitas a respeito de outras irregularidades cometidas dentro da Secretaria da Fazenda de São Paulo.

Mensagens encontradas no celular de um auditor fiscal após busca e apreensão levantaram desconfianças de que haveria vazamentos de informações de ações do Fisco paulista a empresas, além de ajudar companhias que vendiam combustível adulterado.

Em nota, a Secretaria da Fazenda de SP afirma que, de 2020 a 2025, instaurou procedimentos que resultaram em 20 penalidades de expulsões de servidores, “reforçando o compromisso com a ética e a legalidade”. “Esse trabalho contínuo de correção e assessoramento fortalece a confiança nas práticas fiscais do Estado”, diz a pasta.

O órgão diz que, no caso da operação Zinabre, da Máfia do ICMS, instaurou processos que resultaram em três cassações de aposentadoria e duas demissões a bem do serviço público, e outros 11 procedimentos administrativos seguem pendentes de conclusão.

Vannucchi também responde a um processo administrativo disciplinar na Corregedoria da Fazenda. O auditor investigado pela Polícia Federal responde ainda a procedimentos disciplinares.

A secretaria diz que, em relação à operação Ícaro, além do procedimento instaurado, “está em contato com o MP-SP, com o objetivo de colaborar com as investigações e adotar as medidas cabíveis no âmbito administrativo”.