SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao comentar a cúpula desta sexta-feira (15) com Vladimir Putin, Donald Trump sublinhou o fato de que o russo “até está vindo ao nosso país” para negociar termos para uma trégua na Guerra da Ucrânia e a relação bilateral entre as maiores potências nucleares do planeta.

E não é em qualquer parte dos Estados Unidos que Putin desembarcará. Líder de um país que espera tomar de vez ao menos 20% de sua vizinha Ucrânia, o presidente discutirá o tema no Alasca, território vendido pela Rússia imperial a Washington em 1867 pelo equivalente hoje a US$ 156 milhões.

Não deixa de ser irônico que a retomada da região, cuja compra se mostrou uma barganha devido aos ricos depósitos minerais e de hidrocarbonetos locais, estivesse na agenda de ultranacionalistas russos, mas não do Kremlin, até há pouco tempo. Trump sabe disso.

Mas mais importante é jogar em casa, como ele já enfatizara nas suas lições de autoajuda empresarial, a começar pelo manual “A Arte do Negócio”, de 1987. O conceito de controle da situação, que permeia o texto, passa por dominar o palco.

Trump ainda caprichou na escolha do local: a base Elmendorf-Richardson, em Anchorage, a principal cidade do estado, com 300 mil habitantes. Ela é uma unidade conjunta da Força Aérea, dona do aeródromo Elmendorf, e do Exécito, que opera o forte Richardson, ambos no norte do município.

A base aérea é, desde a Guerra Fria, a linha de frente de interceptação de ameaças russas e, agora, chinesas também na região. Abordagens a bombardeios dos rivais ocorrem com frequência. Ela opera cerca de 40 caças furtivos F-22, o mais poderoso dos EUA, mais do que qualquer unidade militar do país

As instalações adjacentes, que abrigam 30 mil pessoas, sedia o Comando do Alasca e o controle do Norad, o sistema de vigilância contra ataques nucleares do Hemisfério Norte, na região.

Nesta quinta (14), o assessor presidencial russo Iuri Uchakov detalhou o roteiro. Os presidentes se encontram às 11h30 (16h30 em Brasília) para uma reunião a sós, com intérpretes. Depois, as delegações se unem a eles, e haverá um café da manhã de trabalho. Ao fim, Trump e Putin concederão uma entrevista coletiva.

Do lado russo, irão com o líder o chanceler Serguei Lavrov, o czar dos investimentos e negociador Kirill Dmitriev, os ministros Andrei Belousov (Defesa), Anton Siluanov (Finanças) e Uchakov. A delegação americana não foi divulgada ainda, mas deverá incluir os secretários Marco Rubio (Estado), Pete Hegseth (Defesa), Scott Bessent (Tesouro) e o negociador Steve Witkoff.

Putin fez uma concessão rara, restando saber se por tática ou falta de opção. Publicamente, sugeriu as neutras areias dos Emirados Árabes Unidos na quinta (7), o que sugere a segunda hipótese —o anúncio do Alasca foi feito em uma postagem de Trump no dia seguinte.

O fato é que é difícil ver o russo numa posição em que não possa vender a imagem de jogador mais hábil na partida.

Sabem disso desde a então premiê alemã Angela Merkel, apavorada com a presença do cão de Putin durante um encontro em 2007, até o presidente francês Emmanuel Macron, encolhido na ponta do mesão de cinco metros do Kremlin, incapaz de demover o russo da invasão que faria a seguir no começo de 2022.

A tradição diplomática desse tipo de encontro é de neutralidade na locação. Trump e Putin encontraram-se seis vezes até aqui, mas em cúpula bilateral apenas em uma ocasião, logo após o fim da Copa da Rússia em 2018.

O local do encontro foi Helsinque, mas a Finlândia deixou de ostentar as sete décadas de neutralidade após entrar na aliança militar Otan, em 2023, justamente devido ao temor de que Putin tenha planos que vão além das fronteiras ucranianas.

Há outras considerações para a escolha do Alasca. De fato, além do passado russo ainda vivo em igrejas ortodoxas, é um ponto em que os dois países quase se tocam —3,8 km separam as ilhas mais próximas de lado a lado no gelado estreito de Bering. Na prática, fica mais ou menos no meio do caminho entre as capitais, a nove horas de voo de Moscou e oito de Washington.

Mais importante, é longe do resto do mundo, em particular da Ucrânia que teme ser fatiada à revelia pelos líderes como a Tchecoslováquia foi em 1938, e de seus aliados europeus, temerosos da mesma coisa. Há simbolismo nisso também.

A organização da cúpula em uma semana desde seu anúncio é um pesadelo logístico para as equipes de segurança envolvidas. Reuniões do tipo demoram em geral meses para serem agendadas.

Há dois facilitadores apenas na escolha: o voo para o Alasca não obriga desvio de nenhum espaço aéreo fechado a Moscou, e os EUA abriram uma exceção no bloqueio a aviões russos para a comitiva de Putin.

E o presidente não precisa temer ser preso lá, uma vez que os americanos não reconhecem o Tribunal Penal Internacional, que emitiu ordem de detenção do presidente sob acusação de ordenar o sequestro de crianças ucranianas.