SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cadeirante e com comorbidades, Márcio Paulo Machado dos Santos, 63, diz que não consegue atendimento da assistência social nem acompanhamento psicossocial da Prefeitura de São Paulo desde junho. Ele é um dos beneficiários do Auxílio Reencontro, em que o município paga por dois anos o aluguel para pessoas que estão de saída dos equipamentos de assistência social.

Ele conta que mora com a ex-mulher, que também é cadeirante e faz tratamento de câncer, em um apartamento no Parque Novo Mundo, na zona norte da capital paulista. “A gente está largado aqui e o atendimento de saúde também é bem mais precário do que tínhamos quando morávamos em um hotel social no centro da cidade”, afirma.

Segundo ele, a situação se arrasta desde o encerramento do contrato da gestão Ricardo Nunes (MDB) com a Diagonal, empresa era a gestora do Reencontro. Sua função era fazer o acompanhamento dos moradores, além de ajudá-los na busca por moradias que pudessem ser alugadas para o programa. Até agora, a prefeitura não abriu licitação para a escolha de uma substituta.

Em resposta a um ofício enviado pelo deputado estadual Eduardo Suplicy (PT), a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social, Eliana Gomes afirma que “foi instaurado processo administrativo para definir o novo arranjo de gestão; tal processo encontra-se sob análise na Chefia de Gabinete da Secretaria de Governo”.

À reportagem ela nega que os atendimentos estejam suspensos. “Os beneficiários também recebem assistência social e acompanhamento psicossocial, conduzidos pelo Núcleo de Desenvolvimento Social (NDS), temporariamente responsável pelo contato direto com famílias, proprietários e demais envolvidos. Nos últimos dois meses, foram realizados mais de 900 atendimentos relacionados a esclarecimentos sobre pagamentos, mediações, apoio socioassistencial e orientações sobre programas complementares”, afirma.

A secretária diz que “pode prestar apoio nos encaminhamentos relacionados à saúde, mas o atendimento direto é de responsabilidade da rede pública local”.

A reclamação de Santos, no entanto, não é um caso isolado. Em Guaianases, na zona leste, Mônica Cordeiro diz que o atendimento parou de ser feito. Ela mora em um imóvel com os quatro filhos, todos estudantes, com idades entre 12 e 19 anos. “A gente procura a prefeitura e não consegue nenhuma resposta. Liga, manda email e nada”, diz. Em nota, a prefeitura afirma que todos os beneficiários podem “acionar a equipe técnica presencialmente, por telefone, e-mail e também WhatsApp”.

Raquel Siqueira, que mora no Parque Paulistano, na zona norte, diz que o atendimento para ela também foi interrompido desde a saída da empresa. “A equipe vinha aqui em casa duas vezes por mês. Depois que saíram, nunca mais”, afirma. Ela também aponta preocupação em razão do atraso no pagamento do aluguel no mês passado. Outros moradores também citaram o problema.

Segundo a prefeitura, “os pagamentos anteriormente realizados de forma manual passaram a ser automatizados em um sistema mais moderno” em junho. “Essa migração necessária gerou atrasos pontuais nos repasses, que já estão em processo de regularização”, afirma.

Como já foi mostrado pela Folha de S.Paulo, um dos casos mais urgentes é do prédio localizado na rua Coaracy, 227, no Itaim Paulista, zona leste. Os moradores apontaram problemas estruturais no prédio e chegaram a pedir a mudança do local. Em uma das unidades, uma infiltração destruiu o forro do banheiro e o problema jamais foi consertado. A família ainda mora no local.

O proprietário chegou a pedir a expulsão de seis famílias, contra as quais alega problemas comportamentais. Agora pede a retirada de quem levou a situação à imprensa e ao Ministério Público, sob a alegação de que são pessoas de “incitação a motins”. A motivação foi confirmada por ele em reuniões com a presença da vereadora Amanda Paschoal (PSOL) e da Defensoria Pública. A última delas, na última segunda-feira (11).

Apesar da confirmação do próprio responsável pela locação, a prefeitura nega que existam retiradas de famílias por essa motivação. “Nenhuma desocupação de imóvel foi motivada por denúncias à imprensa ou ao Ministério Público. Os casos de solicitação de devolução do imóvel estão relacionados a comportamentos incompatíveis com a moradia autônoma”, diz em nota. Em nova resposta, a prefeitura afirmou que “o pedido de devolução da unidade foi feito com base em cláusula contratual que permite a rescisão por qualquer uma das partes, beneficiário ou proprietário”.

Segundo a prefeitura, em “casos de conflitos com proprietários, a equipe técnica intervém diretamente, acompanhando as ocorrências e, quando necessário, acionando a Defensoria Pública ou o Ministério Público”.

As seis famílias reclamam da falta de apoio para conseguir um novo imóvel e também temem o risco de terem de voltar para abrigos, sem poder levar os móveis que adquiriram desde que entraram no programa Reencontro. “O programa não possui armazém para guarda de bens, mas orienta os beneficiários na busca de soluções seguras, como apoio de familiares, amigos ou organizações sociais parceiras”, diz a prefeitura sobre os bens adquiridos pelas famílias.

Sobre as famílias despejadas, a secretária admite, em resposta a Suplicy, o risco de elas terem de voltar para abrigos ou para a rua, principalmente de quem já cumpriu os dois anos de Vila Reencontro.

“Muitas das famílias que solicitaram transferência já cumpriram esse período integralmente, de modo que o reingresso prolongaria indefinidamente uma solução que deveria ser transitória”, afirma. Segundo a secretária, “permitir a escolha de unidade ou prorrogação além do prazo estabelecido violaria o princípio da equidade, penalizando núcleos que ainda aguardam primeira inserção no serviço”.

Ao deputado ela disse que, “caso a família ainda necessite de suporte intensivo após os 24 meses, a política prevê retorno ao acolhimento especializado (CAE) ou inclusão em outros serviços da Proteção Social Especial, evitando lacunas de atendimento”.

Nesta quarta-feira (13), após o contato da reportagem, a secretária foi pessoalmente ao prédio. Cobrada por moradores, ela afirmou que vai garantir a vistoria de novos imóveis apresentados por eles para evitar que sejam despejados sem nenhuma opção de moradia. A visita foi filmada e compartilhada em redes sociais pelos moradores.