SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A adultização de crianças e adolescentes está sob holofotes em todo o país e reacendeu o debate no Legislativo nesta semana após o influenciador Felca fazer uma denúncia em um vídeo no Youtube, que já ultrapassou 35 milhões de visualizações.

O QUE É A ADULTIZAÇÃO

A adultização é o processo de inserir a criança em um espaço que não é próprio da infância. Ana Claudia Favano, psicóloga, pedagoga e gestora da Escola Internacional de Alphaville, explica que isso se dá quando elas são expostas precocemente a comportamentos, conteúdos, responsabilidades e padrões estéticos típicos da vida adulta.

Termo usado por Felca foi eficaz para sintetizar tema e pautar debate, diz juiz. “Centenas de especialistas estão falando disso há anos. Ele conseguiu sintetizar tudo com essa palavra e juntar milhares de horas de trabalho de psicólogos, juízes, advogados e promotores em um vídeo de 50 minutos”, avalia Iberê de Castro Dias, magistrado da Vara da Infância e Juventude de São Paulo.

O fenômeno antecipa etapas do desenvolvimento. “Isso acontece quando existe uma pressão para ter uma maturidade muito precoce. É como se a criança tivesse que agir, se vestir, pensar e discernir como um adulto, ou seja, antes da hora”, fala Renata Greco, psicanalista e gerente de comunicação do Instituto Liberta, organização que trabalha com a prevenção da violência sexual contra crianças e adolescentes. Para a especialista, há um descompasso entre o que é exigido delas e o que elas são capazes de lidar emocional e cognitivamente.

“As crianças estão dentro das redes sociais, elas estão inseridas e acabam imitando o que estão vendo, imitam as tendências, as danças, as maquiagens, os influenciadores, mesmo sem entender o que aquilo significa, elas só imitam. Tem um mundo por trás que tem estimulado essa adultização por meio da monetização”, disse Renata Greco, psicanalista.

Consequências desse processo podem ser “amplas e duradouras”. Favano diz que crianças submetidas a isso têm maior risco de desenvolver ansiedade severa, inseguranças com o próprio corpo, questões de autoestima, dificuldades de socialização e problemas de desempenho escolar.

Crianças adultizadas também ficam mais vulneráveis à erotização, alertam as especialistas. Greco fala que o ”maior” dos problemas é a sexualização precoce: ”Isso pode aumentar o risco de abuso, de exploração sexual e de distorção da própria imagem corporal”.

Exploração do trabalho infantil também faz parte da adultização. Dias afirma que parte de crianças e adolescentes que fazem conteúdos para a internet tem tido horários de gravação, uma quantidade de produções a entregar e, às vezes, uma agenciadora por trás. No entanto, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê necessidade de autorização judicial para crianças participarem de trabalhos artísticos no Brasil. O juiz explica que a norma também se aplica a atividades relativas nas plataformas digitais.

SEM BIG TECHS, JUSTIÇA TEM DIFICULDADE DE MAPEAR CASOS

Situações de monetização a custas de crianças não são facilmente detectadas. ”Sem dúvida nenhuma a gente tem dificuldade de mapear isso, não temos formas eficazes de controle, não conseguimos acompanhar todo mundo que está postando coisas na internet”, relata o juiz.

Para ele, a responsabilização dessas ocorrências é ”praticamente impossível” sem ajuda das big techs. Dias argumenta que as plataformas digitais devem ser regulamentadas e encarregadas de fiscalizar a circulação de conteúdos envolvendo crianças e adolescentes e, eventualmente, encaminhá-los para os órgãos competentes. ”Tem que ser uma obrigação de quem está ganhando dinheiro com isso.”

O vídeo uniu políticos da direita e da esquerda contra a “adultização”, mas reacendeu a discussão sobre a regulação das redes sociais. Uma comissão especial será criada na Câmara na próxima semana. Também ficou acertada a criação de um grupo de trabalho com parlamentares e especialistas para elaborar um projeto que possa ir à votação em até 30 dias. Já o governo anunciou que enviará um projeto de lei ao Congresso para regulamentar as redes.

ADULTIZAÇÃO NÃO É NOVIDADE, MAS SE AGRAVA COM REDES SOCIAIS

Exposição de crianças tem ocorrido cada vez mais cedo, analisa psicóloga. Favano entende que a adultização sempre ocorreu, com menores de idade trabalhando como cantores e atores mirins na TV, por exemplo, mas em um contexto de menos plataformas de exibição.

“Agora, com o celular na mão, qualquer pessoa pode publicar conteúdos para o mundo todo, e a velocidade de alcance é muito maior. Além disso, a exposição começa cada vez mais cedo, desde o nascimento, com a própria família compartilhando a rotina dos filhos nas redes sociais”, disse Ana Claudia Favano, psicóloga e pedagoga.

Pais e responsáveis devem estar atentos para proteção dos filhos. A especialista diz que um dos meios são ferramentas de controle parental para filtrar conteúdos e estímulos das telas. Além disso, oferecer experiências adequadas à idade, como brincadeiras, e conversas sobre limites e riscos da internet são essenciais.