SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O processo de direitos autorais que pode em tese levar a Anthropic à falência já acendeu o alerta de outras empresas de inteligência artificial nos Estados Unidos. E, juntas, elas tentam convencer a Justiça do país a derrubar a ação, alegando que o caso tem o potencial para levar o mercado inteiro de IA à derrocada financeira.

No caso, que corre em uma corte distrital da Califórnia, três escritores cobram reparação da Anthropic não só por ter usado livros sem autorização no treinamento de seu chatbot, o Claude, mas também por ter recorrido a cópias piratas ao fazê-lo.

No mês passado, um juiz decidiu que empregar os livros em si configurava “uso justo”, mas usar cópias ilegais não. Ele agendou uma nova decisão para o fim do ano, a fim de determinar a reparação financeira, e transformou o caso em uma ação coletiva -ou seja, quem tiver direitos sobre obras usadas pela Anthropic pode receber uma indenização, mesmo sem entrar na Justiça.

A Anthropic entrou com um pedido para suspender o julgamento e ter sinal verde para começar um recurso imediatamente numa corte superior. A companhia diz que, se for derrotada, esse pode ser seu fim.

Não comoveu o juiz, que negou o pedido nesta segunda-feira (11), afirmando que o tribunal de segunda instância precisa ter acesso às evidências completas que serão geradas no processo, em vez de apenas uma “versão higienizada” dos fatos apresentada pela Anthropic.

Os advogados da empresa avaliam que a reparação de danos pode passar de US$ 1 trilhão no total e, portanto, sustentavam que a companhia ficaria privada do amplo direito à defesa -já que seria mais prudente fechar logo um acordo a fim de evitar que o caso vá a julgamento.

O enrosco está no fato de a Anthropic ter treinado o Claude com uma conhecida base de livros pirateados que tem uma quantidade superlativa de arquivos: mais de 7 milhões no total. Assim, a indenização devida poderia em tese ultrapassar o próprio valor de mercado da Anthropic, hoje em US$ 170 bilhões (R$ 918 bi).

No seu argumento à Justiça, a dona do Claude diz que uma derrota seria um precedente perigoso para toda a indústria de IA -que, aliás, já sentiu o baque. Duas associações de classe pediram para ser “amicus curiae” na ação, status garantido a alguém que não é parte no processo, mas, por ter interesse nele, quer contribuir com informações à corte.

Os grupos são a Consumer Technology Association e Computer and Communications Industry Association, que apoiam a Anthropic e têm entre seus integrantes diversas empresas que desenvolvem modelos de IA. Entre elas, Apple, Amazon e Google.

Em uma petição à Justiça, as duas associações dizem que a decisão de transformar o caso em uma ação coletiva pode causar dano “à nascente indústria de IA como um todo e à competitividade tecnológica global dos Estados Unidos”. Também há grupos de autores, bibliotecas e defensores de direitos digitais ao lado da Anthropic.

O medo das empresas vem do fato de que rara é a companhia do segmento que não seja alvo de processos semelhantes nos Estados Unidos; o número de ações de direitos autorais no país já se aproxima de 50.

Há outras acusadas não só de usar livros piratas, mas também de empregar conteúdo proprietário em geral ao treinar seus modelos de linguagem. Livros, roteiros, reportagens de jornais e artigos acadêmicos são especialmente valiosos para essas empresas, já que os chatbots se beneficiam do acesso a textos com escrita elaborada e argumentos complexos.

Para usar esse material sem pagar, as empresas e seus apoiadores argumentam que é inviável licenciar a quantidade de conteúdo que os modelos de linguagem precisam e que isso deixaria os EUA atrás da China. Assim, tentam convencer a Justiça de que o interesse nacional está em jogo e não apenas seus negócios.

A indústria também se defende dizendo que faz o chamado “uso justo” de conteúdo proprietário, já que os robôs não copiaram o material de treinamento e sim entregam um conteúdo transformado -como um ser humano faria.

Enquanto se recusa a pagar por conteúdo proprietário, a indústria de IA se capitaliza no mercado e anuncia investimentos na casa dos bilhões, a fim de sustentar um modelo de negócios que se baseia em um aumento constante de escala. A OpenAI, por exemplo, já avisou que pretende investir R$ 500 bilhões em datacenters nos próximos quatro anos.

Nessa disputa, as empresas têm um aliado com o poder da caneta. Em um discurso no fim de julho, o presidente americano Donald Trump disse que a China não paga por conteúdo e é preciso fazer o mesmo.

“Não dá para esperar ter um programa de IA bem-sucedido se você tiver que pagar por cada artigo, livro ou qualquer coisa que você leu ou estudou. Apenas não dá”, disse o republicano diante da plateia.