(FOLHAPRESS) – O pai do jovem autor e comediante francês Panayotis Pascot gosta, nas palavras do filho, de causar frisson e de “aumentar seu carisma com anúncios dramáticos”. Por isso, comunica sem eufemismos que deve morrer em breve.

O escritor até desconfia, mas, ao notar o pai resfolegando e com o olhar vazio, faz o que resta a um artista autobiográfico: escreve um livro para organizar a dor, as boas memórias da infância, as mágoas e, sobretudo, sua própria capacidade de ser verdadeiramente empático e amoroso.

A partir desses traumas e vazios remexidos pela iminente morte do pai, Pascot sente uma estranha urgência: matar o pai antes que ele morra. Para isso, o esmiúça, esquadrinha e expõe. Mas como matar a função paterna sem matar, junto, o lugar do filho sonhado?

“Comecei a querer fazer o contrário do meu pai, pôr tudo para fora. E escolhi essa profissão. Falar de mim, o tempo todo, em toda parte. Abrir o jogo, em cena, na televisão, em um livro.”

Breve, honestíssimo e bem-humorado, “Da Próxima Vez que Você Cair do Cavalo” trata também da dificuldade do escritor em se assumir gay, dos percalços vividos em situações íntimas, da ansiedade generalizada que o paralisava na infância -mas que também fez dele um artista conhecido e bem remunerado desde muito jovem- e da sua briga com uma depressão melancólica grave.

Quero muito usar “rasgado” como adjetivo, mas tenho medo de não soar tão elegante quanto é a prosa de Pascot. E, por elegância, me refiro à capacidade de um autor de se esculachar: pelado, neurótico, maluco, sujo. À capacidade de narrar escatologias e putarias -e tudo isso ser suficientemente bem escrito, poético, digno (e usado como método de sobrevivência).

Volto a sentir preguiça de quem considera uma obra autobiográfica um estilo menor do que uma obra de ficção -principalmente aquelas mais pedantes.

Você segura este livro como se fosse um órgão vital e machucado. Ao mesmo tempo, o autor tenta distrair, incomodar e convencer você de que esse pedaço pulsante em suas mãos não é um coração. “Não tenho talento para os sentimentos. Solto frases para as pessoas, elas demonstram sentimento, eu me adapto ao que elas sentem.”

O pai decide, por causa da provável morte, arrumar a casa -ao que o filho ironiza, dizendo nunca ter assistido a um filme em que um sujeito descobre que vai morrer e passa os últimos dias indo na Leroy Merlin. “No fundo, então, fazemos a mesma coisa, nós dois queremos dar um jeito antes de ele ir embora. Ele, na casa; eu, em mim. Sou o mais egoísta. Ou então ele é mais covarde do que eu.”

Escrever dessa forma tão franca sobre a própria vida é um ato muito generoso. E, sim, muitas vezes é o que mantem a estrutura psíquica de pé.

Algumas frases do livro lembram que se trata do primeiro de um escritor muito jovem. Coisas como “eu sou o vazio que me preenche” não me comovem. Já uma infinidade de outras são memoráveis, como essa sobre as artimanhas do pai: “Se eu mordo a isca, não é nele que eu toco, nem na sua mão, nem no seu coração, é na isca que eu toco”.

Quando, com muita dificuldade, Panayotis Pascot se envolve de verdade, sente medo de adoecer: tem dores no estômago, febre -como se não tivesse anticorpos para amar.

Exibe também, com maestria, seu incômodo com pessoas mais simplórias, que não buscam compulsivamente os duplos sentidos e os subtextos de cada palavra. Sobre um dos namorados, escreve: “Você é pura consciência, frontalidade, o desejo que não se ignora, a tristeza sem complacência”.

Mas é da boca de um desses amores que chega uma das frases mais importantes do livro. “Eu te vi mais vivo no palco que na vida.”

DA PRÓXIMA VEZ QUE VOCÊ CAIR DO CAVALO

Avaliação Muito bom

Preço R$ 80 (152 págs.)

Autoria Panayotis Pascot

Editora Ercolano

Tradução Francesca Angiolillo