BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados ignorou as pressões do STF (Supremo Tribunal Federal) por mais transparência e aprovou nesta quarta (13) a indicação de como serão gastas as emendas parlamentares de comissão ao Orçamento sem qualquer debate, informação de para onde vai o dinheiro ou publicidade sobre quem são os padrinhos políticos das verbas.

Nem os próprios deputados que as aprovaram tiveram acesso às indicações previamente ou ao valor deliberado, o que causou protestos. As votações ocorreram em segundos, e eles foram avisados de que não teriam nenhuma possibilidade de discutir e alterar nas comissões a indicação de quais obras, serviços ou cidades serão beneficiados com o dinheiro, que soma R$ 10,5 bilhões.

“Estamos fazendo papel do que aqui, de besta? É isso que estou me sentindo, um besta”, reclamou o deputado Paulo Guedes (PT-MG) após a recusa ao pedido para receber informações.

O formato contraria as decisões do ministro Flávio Dino, do STF, que determinou que as emendas de comissão fossem de fato debatidas e votadas pelas comissões, com transparência sobre os padrinhos de cada verba e sobre a forma como o dinheiro público será gasto. Ele chegou a bloquear todas as emendas ao Orçamento por falta de transparência, o que causou uma crise com o Congresso no ano passado.

O Legislativo aprovou em abril a indicação de R$ 10,5 bilhões pelas comissões da Câmara e do Senado no Orçamento. O pagamento depende do governo Lula (PT) e não é obrigatório, o que faz com que essas verbas sejam usadas para negociações políticas.

Como revelou a Folha de S.Paulo, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), convocou os presidentes de algumas comissões na terça-feira (12) e determinou que acelerem a indicação das emendas parlamentares alocadas nesses colegiados, mesmo sem as planilhas completas enviadas pelos partidos.

A convocação faz parte de uma ofensiva de Motta para tentar recuperar o controle da Câmara, após o motim que o impediu de presidir as sessões por quase 30 horas com o objetivo de pressioná-lo a aprovar a anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está em prisão domiciliar.

Como essas verbas não são de pagamento obrigatório, os deputados e senadores próximos dos presidentes ou dos líderes partidários acabam beneficiados por mais recursos, enquanto aqueles que enfrentam as decisões ou não votam alinhados aos partidos recebem menos (ou nenhum) dinheiro para suas bases eleitorais. O modelo acaba por criar uma base de sustentação para a cúpula do Congresso.

A falta de transparência foi alvo de protestos dos próprios parlamentares nesta quarta, durante a votação nas comissões.

Paulo Guedes (PT-MG) reclamou que a Comissão de Integração Nacional da Câmara aprovou as indicações rapidamente, sem qualquer debate, e que os parlamentares tinham sido avisados de que a sessão seria apenas para uma homenagem.

“Eu sei que passa pelas bancadas [partidárias], mas se a palavra final é nossa, os membros dessa comissão não podem ficar de fora do rateio. Estou fazendo o que então aqui?”, questionou. Ele destacou que o sigilo imperava nos anos anteriores, mas que “feito um trato que este ano seria diferente”.

O deputado José Rocha (União Brasil-BA) se juntou a ele e perguntou quais os valores aprovados. Ouviu da presidente da comissão, a deputada Yandra Moura (União Brasil-SE), que não havia informação ainda —mesmo após a aprovação—, mas que ela seria divulgada posteriormente no site.

No ano passado, Rocha buscou o STF diante da insistência do ex-presidente Arthur Lira (PP-AL) e dos líderes partidários para burlar as comissões e indicar as verbas diretamente, o que causou inclusive um inquérito da Polícia Federal sobre o tema.

Yandra Moura minimizou as reclamações e afirmou que todos os parlamentares podem apresentar sugestões por meio do sistema interno da Câmara. “A tabela vai estar disponível para todos vocês”, respondeu.

Segundo o deputado Daniel Agrobom (PL-GO), as críticas ocorreram porque nem todas as indicações serão acolhidas, e só a presidente da comissão tinha informação sobre a lista votada.

Na Comissão de Saúde, apenas a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) levantou questionamentos. Disse que foi surpreendida com a inclusão das emendas na pauta e pediu que o colegiado discuta critérios técnicos para fazer a distribuição da verba para prefeituras, estados e hospitais.

O presidente da comissão, deputado Zé Vitor (PL-MG), respondeu que o colegiado não terá o poder para alterar a lista recebida dos líderes dos partidos. “Aqui, neste momento, só temos duas possibilidades: dizer sim ou dizer não. Não há espaço aqui na comissão para emendar, para trocar nome, para mudar valor, para mudar beneficiário”, afirmou.

De acordo com Zé Vitor, qualquer deputado poderá fazer sugestões para as comissões sobre como o dinheiro deve ser gasto, mas apenas aquelas validadas pelos líderes dos partidos serão enviadas para o Executivo.

Na Comissão de Integração Nacional, o presidente, Yuri do Paredão (MDB-CE), disse que tinha recebido a lista, mas se recusou a informá-la à reportagem. A votação ocorreu em segundos, sem qualquer protesto.

Mesmo após aprovadas, ele voltou a se recusar a entregar uma cópia do que foi votado e disse que estará disponível depois no site.

Para conseguir a votação expressa pelas comissões, Motta determinou que os presidentes fizessem as votações mesmo sem as planilhas completas, e outras sessões ocorrerão depois para complementá-las.

Ele já tinha determinado em julho que os líderes partidários e deputados fizessem a indicação de como pretendem gastar o dinheiro, mas houve atrasos nessas sugestões. A reportagem antecipou que cada deputado da base aliada receberia uma fatia de pelo menos R$ 11 milhões extras do Orçamento. O montante pode variar de acordo com a fidelidade ao governo, ao líder do partido e ao próprio Motta.

As emendas de comissão substituíram as emendas de relator, declaradas inconstitucionais pelo STF em 2022 por falta de transparência. Esse mecanismo era criticado por manter sob sigilo o real responsável por decidir como o dinheiro seria gasto, e se tornou alvo de diversos inquéritos sobre desvios nos recursos.

As emendas de relator eram utilizadas pelo antecessor de Motta, Arthur Lira, para construir maiorias no plenário. O Senado também recebe fatia do montante, cuja distribuição é liderada pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).