SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Departamento de Estado dos Estados Unidos publicou nesta terça-feira (12) relatórios em que afirma ter havido uma deterioração dos direitos humanos em países europeus e no Brasil no último ano. Ao mesmo tempo, diz que “não houve relatos confiáveis de abusos significativos dos direitos humanos” em El Salvador. Sobre Israel, o governo sintetiza drasticamente o relatório e sequer cita o premiê Binyamin Netanyahu.
Os documentos, publicados anualmente pela diplomacia americana com a situação de direitos humanos em uma série de países do mundo, citam uma piora tanto em países como Reino Unido, França e Alemanha quanto no Brasil, ao afirmar que o governo Lula (PT) reprimiu “o debate democrático” e a “expressão dos simpatizantes” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas últimas semanas, Trump impôs tarifas comerciais ao Brasil apoiado também nesta narrativa.
Por outro lado, o relatório voltado a El Salvador ignora as acusações de violação de direitos no território salvadorenho especialmente relatadas por imigrantes deportados pelos EUA, e defende que “os relatos de violência de gangues permaneceram em um mínimo histórico sob o estado de exceção” graças às “prisões em massa” orquestradas pelo presidente Nayib Bukele.
Na última semana, trechos vazados destes documentos já haviam antecipado que o governo de Donald Trump pretendia reduzir drasticamente as críticas dos EUA a certos países com históricos extensos de abusos, como é o caso de El Salvador.
Na última publicação do tipo, realizada ainda sob a gestão do democrata Joe Biden, o departamento identificou “graves problemas de direitos humanos” em território salvadorenho, incluindo execuções sancionadas pelo governo, casos de tortura e “condições prisionais duras e com risco à vida”.
Desde que assumiu a Presidência pela segunda vez, no entanto, Trump tem aproximado as relações com Bukele, que aceita receber migrantes deportados dos EUA para serem presos em penitenciárias de El Salvador.
O relatório divulgado nesta terça tem um quarto do tamanho do documento equivalente no período anterior, publicado sob Biden. Mesmo com o histórico de denúncias, o novo texto afirma que “não houve mudanças significativas na situação dos direitos humanos em El Salvador durante o ano” e, além disso, “não houve relatos confiáveis de violações significativas dos direitos humanos”.
Anunciando essa toada, um funcionário de alto escalão do órgão gerido por Marco Rubio afirmou ao jornal The Washington Post, na última quarta-feira, que “o relatório de direitos humanos de 2024 foi reestruturado para eliminar redundâncias, aumentar a legibilidade e ser mais responsivo ao mandato legislativo que o fundamenta”. Sob condição de anonimato, a autoridade disse que “o relatório foca nas questões centrais”.
Tais questões centrais refletem, inclusive, o desenrolar da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, na qual Trump tem buscado influir para um cessar-fogo mesmo antes de assumir a Presidência.
O departamento congrega Israel e os território palestinos Faixa de Gaza e Cisjordânia no mesmo documento. O publicado neste ano tem 9 páginas, ante 103 do texto relacionado a 2023, ano em que a guerra eclodiu.
O relatório publicado sob Trump sintetiza trechos anteriormente detalhados. O documento inicia um breve resumo do contexto de 2023, e cita que “os problemas incluíam relatos de assassinatos arbitrários ou ilegais; desaparecimento forçado; tratamento degradante por funcionários do governo; e prisão ou detenção arbitrária”.
Logo em seguida, no entanto, afirma que “o governo [de Israel] tomou várias medidas confiáveis para identificar autoridades que cometeram abusos de direitos humanos, com vários julgamentos pendentes no final do ano”.
Sem citar diretamente o nome do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, o relatório gasta duas linhas para esmiuçar o tópico referente a “Crimes de guerra, crimes contra a humanidade e provas de atos que podem constituir genocídio ou abusos relacionados a conflitos”.
Não há menções a nenhuma das acusações de organizações internacionais de que o Estado de Israel estaria perpetrando uma limpeza étnica em Gaza, ou que Netanyahu teria capitaneado crimes de guerra. Pelo contrário, o documento se limita a dizer que “as organizações terroristas Hamas e Hezbollah continuam a atacar indiscriminadamente civis israelenses, violando a lei dos conflitos armados”.
A mesma lógica de redução drástica de críticas ou pontos de atenção pode ser observada nos tópicos relacionados a liberdade de expressão, segurança da população civil e execuções extrajudiciais.
Ao se voltar para a Europa, os documentos também apresentam uma diminuição em seu conteúdo e uma virada de narrativa inversa à de El Salvador. Na França, na Alemanha e no Reino Unido, o governo Trump relata haver pioras relacionadas, em suma, a “restrições à liberdade de expressão”.
As menções a violência contra muçulmanos e pessoas LGBTQIA+ ficam de fora dos novos textos. A síntese publicada pelo governo do republicano foca as ações antissemitas e os supostos cerceamentos da livre expressão.
Trump colocou em prática, em suma, o que trechos dos documentos vazados anteriormente sugeriam: uma redução drástica das críticas a países com extensos históricos de abusos, a eliminação de referências a pessoas LGBTQIA+ e a suavização das descrições de abusos relacionados a essa população.
Os documentos estão alinhados com diretrizes internas distribuídas neste ano por líderes do Departamento de Estado, que orientaram diplomatas a reduzir os relatórios ao mínimo exigido por lei e por diversos decretos assinados por Trump removendo referências a corrupção, crimes de gênero e outros abusos historicamente documentados pelo governo americano.