SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Por quatro dias, Antonio González viveu um périplo por centros de detenção da Venezuela para tentar descobrir o paradeiro de sua esposa, a ativista Martha Lía Grajales, detida na tarde da última sexta-feira (8) após participar de uma manifestação em frente ao prédio da ONU em Chacao, no norte do país.

“Fui a todos os centros de detenção que pude, e nenhum deles me deu informações nem me encaminhou para outro”, diz González, que foi atualizado da situação de sua esposa apenas na noite desta segunda (11). “Agora, ela continua incomunicável. No momento, não sei se ela tem roupas, se recebeu comida, não sei nada sobre a situação dela.”

O ativista, que assim como Martha foi próximo do chavismo no passado, pediu um pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a respeito do caso.

“Convido os políticos do Brasil a avaliarem o caso venezuelano, a avaliarem o caso de Martha Lía e a expressarem suas opiniões sobre esses eventos”, afirmou. “Peço também ao governo Lula, um presidente de grande importância na vida política venezuelana devido à sua influência política e à sua história, que faça uma declaração.”

A situação em que González se encontra é familiar para Martha, que acompanhava parentes de pessoas detidas em circunstâncias parecidas com a dela por meio de seu trabalho no coletivo de direitos humanos SurGentes. A própria manifestação da qual participava na sexta, aliás, havia sido convocada em solidariedade às Mães em Defesa da Verdade, um grupo de mulheres que luta pela liberdade de seus filhos presos após as eleições de julho do ano passado, que reconduziram Nicolás Maduro a um terceiro mandato.

Após o pleito, que tem inúmeras evidências de fraude, protestos tomaram o país, e os confrontos deixaram 28 mortos, cerca de 200 feridos e mais de 2.400 presos, dos quais 2.000 foram libertados até o momento. Embora tenha conseguido abafar grandes manifestações, Maduro manteve a repressão.

Três dias antes da prisão da ativista, por exemplo, outro ato das Mães em Defesa da Verdade, em frente ao Tribunal Supremo de Justiça, foi alvo de um grupo, provavelmente uma milícia pró-regime. Segundo González, que estava presente na vigília ao lado de Martha, os agressores bateram nos manifestantes presentes e levaram seus documentos, incluindo os de sua esposa.

A manifestação de sexta, que acabou com a prisão de Martha, era um ato em solidariedade às mães após a agressão.

González diz que, ao fim do protesto, foi de moto a um ponto de encontro combinado com sua esposa enquanto ela se dirigia a pé para o mesmo local, acompanhada de outras duas pessoas. Antes de chegar, porém, foi parada por policiais que pediram seus documentos, de acordo com pessoas que descreveram a cena ao ativista.

A partir desse momento, o relato de sua detenção segue o padrão de muitas das capturas pós-eleições. Quando tentava explicar que não poderia apresentar documentos porque havia sido roubada na terça pelo grupo armado, teria sido colocada à força em uma caminhonete sem placa.

Em seguida, seus familiares e amigos perderam contato com Martha e seu marido começou uma odisseia pelos centros de detenção da região de Caracas. Somente nesta segunda (11) ele foi informado que a esposa estava desde sexta na Direção de Investigação Penal de Maripérez, na capital.

González diz ter ido ao local cinco vezes, e em todas teria sido comunicado que sua esposa não se encontrava ali. Ele foi atualizado sobre o paradeiro de sua mulher apenas após uma manifestação do alto comissário para os direitos humanos da ONU, Volker Türk.

Pelo Instagram, a Procuradoria-Geral da Venezuela afirmou que Martha estava em privação de liberdade pela acusação dos crimes de incitação ao ódio, conspiração com governo estrangeiro e associação criminosa.

“O mandado de prisão contra Martha Lía consiste unicamente na análise de um policial sobre o site SurGentes, que noticiou protestos populares reivindicando direitos. O relatório acrescenta uma interpretação que indica que tais protestos são parte de uma tentativa de desestabilizar o governo venezuelano orquestrada por interesses estrangeiros”, diz uma nota do coletivo.

Para González, as acusações seriam hilárias se a situação não fosse tão dramática. “SurGentes é uma organização que opta pelos pobres: organizações de base, líderes sociais, jovens de comunidades, agricultores”, afirma. “Nesse contexto, uma acusação de conspiração parece pouco crível.”

Nascida na Colômbia, Martha mora na Venezuela há mais de dez anos, quando decidiu se mudar para o país de seu marido, com quem tem um filho de 13 anos, após conhecê-lo durante um mestrado em direitos humanos no Equador.

Nesse período, colaborou com iniciativas do governo, segundo González, como a Comissão Presidencial para o Desarmamento e a Universidade Nacional Experimental de Segurança, fundada por Hugo Chávez e responsável pela formação das forças de segurança do país.

Tais credenciais não foram suficientes para alguns veículos chavistas, que passaram a acusá-la de ser uma infiltrada. Diversos grupos populares, porém, pediram sua libertação.

“As demonstrações dos setores de base, incluindo aqueles associados ao chavismo e ao governo, têm sido interessantes. Eles a reconhecem como alguém que os acompanhou ao longo de anos”, diz González. “Na deriva autoritária do governo de Maduro, primeiro começou a repressão por setores de direita, depois pelos mais liberais. Em seguida foram os sociais-democratas e nos últimos quatro, cinco anos, a repressão chegou aos setores de esquerda.”