SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O número de municípios brasileiros que subsidiam empresas de ônibus dobrou desde a pandemia, aponta anuário divulgado nesta terça-feira (12) pela NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos).

Conforme a publicação, em 2019, eram 120 cidades que injetavam recursos para ajudar a custear o transporte público sobre pneus. Em maio (dado mais recente), o número cresceu para 241.

Nas capitais, a evolução foi um pouco maior, saltando de 9 para 20 —alta de 122%.

Mudança de comportamento a partir da pandemia, quando se começou a trabalhar mais em casa sem necessidade de deslocamentos, e avanço de serviços por aplicativo, que tiraram as pessoas dos ônibus, mais o envelhecimento populacional (com consequente crescimento na gratuidade das passagens para idosos), e queda na prestação de serviço, estão entre as causas para o cenário atual, com prefeituras colocando cada vez mais dinheiro para bancar o custeio de concessionárias.

O documento relaciona o crescimento dos subsídios à falência do modelo de remuneração, amplamente utilizado até o ano de 2019, que tinha a receita auferida com a cobrança das passagens como a única fonte de recurso para o custeio do serviço.

“Ainda em 2019, essa alternativa de remuneração já se encontrava bastante fragilizada, devido à crise de produtividade que impacta o setor há décadas, caracterizada pela redução da quantidade de passageiros transportados”, diz o texto.

O número de passageiros transportados, que caiu mais de 80% nos piores momentos da pandemia em todo o país, diz o anuário, ainda está distante de retomar os níveis verificados antes, “apesar de esforços para recuperação”.

Há três anos, afirma, a demanda do setor oscila na faixa entre 80% e 86% do cenário anterior a 2019.

Em todo o país, somente Brasília e Goiânia conseguiram atingir 100% dos passageiros transportados antes da pandemia.

“Hoje, os subsídios cobrem, em média, apenas 30% dos custos do sistema no Brasil, índice ainda distante dos 50% praticados, na média, em países europeus”, diz a NTU.

Existem atualmente 154 cidades com tarifa zero (eram 41 em 2019), sendo que em 127 delas o benefício é válido em todos os dias da semana e para todos os usuários.

Em 12 cidades brasileiras com dados disponíveis ocorreu aumento da demanda por viagens de ônibus, que variou de 33% a 371%, após a adoção da tarifa zero.

O urbanista Anthony Ling, editor da plataforma de conteúdo sobre urbanismo e cidades Caos Planejado, classifica o modelo para sustento do transporte público no país atualmente como uma “bomba relógio”.

Para ele, a pandemia quebrou o tabu de prefeituras não injetarem dinheiro no setor, que foi altamente rentável pela venda de passagens até a década de 1980, quando havia menos carros nas ruas e as cidades era menores.

“Quem não subsidiava, hoje subsidia”, afirma o urbanista, que critica a concentração no debate sobre o problema em como se arrumar dinheiro para os novos custos e não como resolvê-lo.

Um documento elaborado pela plataforma, ainda na pandemia, já sugeria a regulamentação de transporte coletivo alternativo (vans) como forma de melhorar a locomoção em distâncias menores, baixando custos.

Ling ainda defende investimentos urbanísticos, como cobrança de pedágio nas cidades para se reduzir o número de carros nas ruas e devolver usuários ao transporte público.

“Tais mudanças [de comportamento a partir da pandemia], somadas à crise estrutural do setor, tornaram insuficiente a simples recomposição da oferta. Exigem, agora, uma abordagem sistêmica e integrada, que considere o transporte público como eixo central do planejamento urbano e do desenvolvimento sustentável das cidades”, cita o anuário.

Rafael Calábria, pesquisador de mobilidade do BR Cidades, aponta ainda que o setor não consegue dar qualidade, inclusive, pelo modelo de contratação de empresas que há décadas estão na prestação do serviço. Isso diminui o número de pessoas que passam pelas catracas e, por consequência, pagam tarifas.

“Como não existem, concorrências e licitações adequadas, há uma garantia para essas empresas continuarem como estão. Essa parte qualitativa se soma à falência financeira”, diz o especialista, que sugere cálculo do valor do pagamento por quilômetro rodado e não pela quantidade de passageiros transportados.

Do ponto de vista operacional, afirma o relatório, os dados apontam sinais de recuperação. Em 2024, a quilometragem produzida —medida da oferta de serviços— cresceu 10,3%.

O número total de passageiros transportados aumentou 9,8%, enquanto a quantidade de pagantes subiu 4,7%.

“A diferença entre passageiros transportados e [pagantes] vem se ampliando, resultado da adoção do modelo de remuneração da prestação do serviço com aporte de subsídios”, diz a NTU.

Segundo ela, em 2024, apenas 56,7% dos passageiros transportados foram pagantes, ante 72% em 2021.

“Não há mobilidade sustentável sem transporte coletivo forte, acessível e eficiente”, afirma Francisco Christovam, presidente executivo da NTU.

Outro ponto de atenção é a idade média da frota, que se manteve em 6 anos e 5 meses.

O anuário ainda aponta estagnação nos investimentos em infraestrutura de mobilidade urbana.

Dados a partir de 2023 mostram tendência de desaceleração na implantação de faixas exclusivas, corredores e sistemas BRT (ônibus de trânsito rápido, na tradução do inglês.

“Mesmo com o lançamento do Novo PAC [Plano de Aceleração do Crescimento], o número de empreendimentos ativos e operacionalizados segue abaixo do ideal, comprometendo a qualidade do serviço e a atratividade do ônibus como meio de transporte”, diz a associação.

Para a NTU, a ausência de infraestrutura dedicada significa mais tempo de deslocamento, menos conforto para o passageiro, maior custo e menor eficiência operacional.