SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A três meses do início da COP30, ainda são incertos os legados que a presidência brasileira da conferência de clima da ONU conseguirá deixar.

Pesam contra os esforços do Brasil, as tensões geopolíticas do momento, como a oposição do presidente dos EUA, Donald Trump, às ações climáticas. Com esse cenário à vista, representantes do governo esperam dificuldades em conseguir acordos sobre alguns temas, especialmente a diminuição da queima de combustíveis fósseis.

O governo Lula tem traçado então pautas que não demandam consenso político entre todos os países e podem ser acordadas em paralelo por grupos favoráveis a elas, diz Rafael Dubeux, secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, responsável por liderar os temas econômicos da COP30.

Ele também é conselheiro de administração da Petrobras e lidera o chamado Plano de Transição Ecológica na gestão federal.

Segundo Dubeux, a Fazenda prepara duas propostas que poderiam se tornar vitórias da presidência brasileira: um fundo de florestas tropicais e a integração do mercado de carbono. “Se a gente tem bloqueios em algumas áreas, os países que estão dispostos a seguir avançando não precisam ficar parados por conta disso”, afirma.

PERGUNTA – O governo já definiu uma pauta prioritária para a COP30?

RAFAEL DUBEUX – São cerca de 20 documentos novos que têm que ser negociados na COP por vários grupos, inclusive pelos diplomatas que estão diretamente envolvidos nas negociações. Mas, pelo lado da Fazenda, há dois grandes temas que a gente quer deixar como legado: um é o TFFF (Fundo Florestas Tropicais Para Sempre, na sigla em inglês) e o outro é a integração dos mercados de carbono.

Formalmente, esses dois produtos nem são estritamente do roteiro de negociação da COP, porque eles não precisam ser negociados entre os quase 200 países-membros, mas eles tangenciam porque a agenda da COP, que antes era estritamente ambiental, virou cada vez mais econômica.

Eu sei que há um esforço muito grande de outras partes do governo para outras agendas, como de adaptação. Mas, do lado da Fazenda, esses são dois grandes temas que a gente gostaria de deixar como legados.

P. – Como vai funcionar esse fundo?

FD – O fundo se encaixa no contexto geopolítico atual de dificuldade do modelo tradicional de doação. Boa parte dos fundos que existem, inclusive o Fundo Amazônia, é muito baseado em doação, e aí se depende do ciclo, às vezes está num momento melhor de doação internacional e às vezes está num momento pior, como é o caso de agora, por conta das tensões geopolíticas.

A novidade do TFFF é que ele é um fundo baseado em investimento, não em doação. Os países que vão contribuir para o fundo não vão passar o dinheiro e ficar sem nada de volta, pelo contrário. Eles vão aportar o dinheiro no fundo, aquele recurso vai ser aplicado e investido em projetos com a taxa de retorno maior, e a diferença de taxa de juros é o que vai ser transferida para os países que estão preservando florestas.

P. – E como se dará essa diferença entre as taxas?

FD – O dinheiro vai ser investido em projetos e ativos variados, com um retorno médio de, por exemplo, 7%, e a ideia é que o país doador aporte um recurso e receba algo como 4% de juros ao ano, que é o que ele receberia se comprasse um título do Tesouro americano.

Então, entre os 4% e os 7%, sobrou 3% e são esses 3% que vão bancar os países que estão preservando florestas, com uma remuneração por hectare preservado.

Hoje o desenho está estimado numa captação inicial de US$ 25 bilhões a partir dos países patrocinadores (os que fazem o aporte inicial) e, com esse aporte, se conseguirá captar mais US$ 100 bilhões com o setor privado. Um fundo de US$ 125 bilhões seria um dos maiores criados no sistema multilateral desde sempre.

P. – Já estão definidos os países que seriam responsáveis por aportar os US$ 25 bilhões iniciais?

FD – A gente está nessa etapa, e a COP30 é importante por isso, porque ajuda no engajamento. Mas a gente tem tido um engajamento muito positivo e sinais esperançosos de que há interesse de muitos países em participar desse aporte.

Essa vai ser a “COP da Floresta”, como algumas pessoas, inclusive de dentro do governo, têm defendido?

Não, é uma COP que vai ocorrer na floresta, mas a ideia é que ela trate do tema central da convenção da mudança do clima, que é lidar com mitigação das emissões, ou seja, reduzir as emissões. Floresta tem um papel, mas não é o central.

P. – E como se dará a integração dos mercados de carbono, que é a outra prioridade do governo?

FD – Idealmente, a gente teria um mercado global de carbono com todos os países participando e sujeitos a um teto que vai caindo até a gente chegar a zero emissões. Mas o problema é que para isso seria necessário o aval dos 200 países da COP, o que a gente não consegue ter.

Com isso, a novidade que a gente está propondo a partir de um diálogo com outros países é criar um orçamento de emissão entre todos os países dentro de uma coalizão pela descarbonização. E as cotas (os limites de emissões) de cada país levarão em conta o inverso da renda per capita, então o país com a renda per capita menor vai ter um orçamento um pouco maior e o país muito rico vai ter um orçamento menor.

Além de efetiva e justa, essa solução seria politicamente viável, porque conseguiríamos aprovar isso sem o aval dos 200 países numa negociação de COP. Teríamos uma coalizão de países dispostos a terem esses compromissos e trabalharíamos com um ajuste de fronteira para aqueles que estão fora. Ou seja, quem não participa, se quiser acessar o mercado desses países da coalizão, terá que pagar um ajuste.

P. – Seria algo semelhante ao Cbam (mecanismo de ajuste de carbono na fronteira, na sigla em inglês), da União Europeia?

FD – O Cbam foi definido unilateralmente pela União Europeia, mas neste caso a gente está construindo algo em que está todo mundo convidado a participar.

P. – Sabendo que os EUA de Donald Trumo ficarão de fora, essa proposta só faz sentido se China e Europa, donos dos maiores mercados, aderirem. Como estão as conversas com eles?

FD – Ambos estão com muita abertura nessa discussão, além de outros países, mas esses são dois dos países que a gente julga cruciais que participem do processo. A Noruega e o Reino Unido, por exemplo, que não são parte da União Europeia, também têm manifestado interesse; já a Índia tem tido mais relutância.

E, mesmo nos Estados Unidos, há vários mecanismos de precificação de carbono, em particular com a Califórnia, que de alguma maneira pode contribuir com esse arranjo de cooperação internacional.

P. – Tanto com o fundo quanto com o mercado de carbono o governo brasileiro vem buscando medidas efetivas, mas que não dependem do consenso político. É isso?

FD – Verdade. Mas é muito importante para o governo brasileiro a valorização do multilateralismo, isso é um ponto central.

Agora, é uma coalizão dos que estão abertos a cooperar; se a gente tem alguns bloqueios em algumas áreas, os países que estão dispostos a seguir avançando não precisam ficar parados por conta disso. As soluções vão avançando mesmo que haja focos de resistência aqui e acolá.

P. – O Brasil tem legitimidade de liderar um movimento de redução de emissões ao mesmo tempo que expande suas fronteiras petrolíferas?

FD – O Brasil tem toda a legitimidade para isso, por vários fatores. Primeiro porque 90% da nossa matriz elétrica já é renovável, que é a meta dos países ricos para 2040. Já em termos de uso de combustíveis, a média mundial usa 2% a 3% de biocombustíveis, enquanto no Brasil é de 22%.

Além disso, o Brasil é um país com a renda per capita um pouco menor do que a renda per capita média mundial, e não faz sentido que sejam os países mais pobres os primeiros a parar de produzir petróleo.

P. – Essas soluções a serem propostas pelo governo já poderão entrar em ação quando acabar a COP30?

FD – Ela (proposta de mercado de carbono) leva tempo para ser inteiramente implementada e nem é expectativa nossa chegar na COP com isso pronto para funcionar.

Já o fundo de florestas tropicais tem condição de estar praticamente operacional até o final do ano, porque a operação menos complexa.

Mas a ideia é a gente chegar até a COP com a coalizão montada e com o desenho, inclusive com cronograma, de como é que o mercado funcionaria.

Raio-X | Rafael Dubeux, 43

Secretário-executivo adjunto do Ministério da Fazenda, é membro do Conselho de Administração da Petrobras. É doutor em relações internacionais pela UnB (Universidade de Brasília), com tese sobre inovação em energia de baixo carbono. Integra a carreira de advogado da União desde 2005.