ANANINDEUA, PA, E PRIMAVERA, PA (FOLHAPRESS) – O Brasil produz quase 1,7 milhão de toneladas de açaí por ano, sendo o Pará responsável por mais de 90% desse cultivo. Mas, do total, menos de 20% vira polpa, matéria-prima de sucos, vitaminas e sorvetes. O restante é caroço, que até há pouco tempo era descartado, gerando sérios impactos ambientais para as regiões produtoras.
Agora, com exigências internacionais cada vez maiores em torno da destinação dos resíduos, outros caminhos surgiram para o caroço da fruta, que não lixões, rios ou calçadas. Um deles são os fornos industriais, onde o caroço atua como substituto do carvão mineral e do petróleo, os combustíveis mais poluentes usados por fábricas de vários setores.
A Votorantim Cimentos é uma das multinacionais com plantas no Pará que usam o caroço do açaí como combustível. Além dela, Hydro e Solar Coca-Cola também exploram aplicações energéticas da fruta.
O caroço do açaí tem grande poder calorífico, como é chamada a energia liberada durante a combustão completa de uma massa ou combustível. Esse número, calculado a partir de quilocalorias por quilograma, é cerca de três vezes menor do que o do coque de petróleo ou duas vezes menor do que o do carvão mineral, mas grandes volumes podem compensar a diferença -o caroço do açaí é mais barato que seus competidores fósseis.
A Votorantim, por exemplo, consome por ano em sua unidade na cidade de Primavera, no Pará, 480 mil toneladas de caroço de açaí para aquecer o gerador de gás quente, responsável por diminuir a umidade do calcário extraído próximo à fábrica -o calcário é quase 90% da composição de um cimento. A prática permite à empresa consumir menos carvão mineral e coque de petróleo e, consequentemente, diminuir suas emissões de carbono.
O setor de cimentos é muito poluente. De acordo com dados do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), o setor emitiu em 2023 14,4 milhões de toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente) na atmosfera, quase 1% de todas as emissões do Brasil e 20% das emissões da indústria pesada brasileira.
Do total liberado pelas cimenteiras, metade é intrínseca ao processo (devido à calcinação do calcário) e só poderia ser evitada a partir da captura do carbono gerado, uma tecnologia ainda imatura no mundo. Assim, os produtores de cimento se concentram na redução de suas emissões na outra metade: principalmente nos combustíveis usados para esquentar o forno onde ocorre a calcinação.
O uso de biomassa, segundo a Votorantim Cimentos, ajuda a empresa a reduzir em 22% suas emissões. Além do caroço do açaí, a companhia usa cavaco de madeira e moinha de carvão vegetal como alternativa aos fósseis na unidade de Primavera.
A média nacional de uso de alternativas de combustíveis fósseis é de 34% nas fábricas da empresa, incluindo carvão vegetal. Mas a fábrica de Primavera tem média de 64% -a unidade responde por 7% da produção nacional da Votorantim, dona de 40% do mercado brasileiro.
Trocar todos os combustíveis fósseis por biomassa, segundo a empresa, é inviável, devido a dificuldades operacionais e à eficiência do forno.
Mas esse tipo de destinação tende a ser cada vez mais exigido nos próximos anos. Isso porque o governo federal caminha com a regulamentação do mercado nacional de carbono, que estipula tetos de emissões para setores industriais. Nesse modelo, que deve ficar pronto ao final da década, as empresas que não conseguirem cumprir as determinações precisarão pagar pela tonelada de CO2eq emitido, o que pode afetar seus balanços.
Fábio Cirilo, gerente global de sustentabilidade e energia da Votorantim Cimentos, diz que o mercado de carbono é fundamental para fazer com que o cliente brasileiro aceite pagar mais por um produto com menor pegada de carbono.
“A empresa que for mais eficiente, consumindo menos combustível e gerando menos emissão, vai ser a mais competitiva, mas fazer isso voluntariamente tem um custo muito alto”, afirma. “Na Espanha, por exemplo, onde já há mercado de carbono, faz mais sentido pagar mais caro pela biomassa, porque o carbono compensa, então eu vou deixar de pagar 80 euros pelo carbono, o que faz muita diferença.”
O CAMINHO DO AÇAÍ
As toneladas de caroço de açaí adquiridas pela Verdera, braço de destinação de resíduos da fabricante de cimento, e outras empresas que operam na região vêm de empresários locais responsáveis por coletar o caroço em processadoras da fruta e secá-los a partir de processos físicos.
A empresa PHS da Mata, por exemplo, coleta todo ano cerca de 80 mil toneladas de caroço de mais de 50 processadores de açaí, que, por sua vez, compram de cooperativas locais. Esse material é então disposto em pilhas em galpões na cidade de Ananindeua e armazenado por até 3 meses para garantir a redução de sua umidade -de 50% para 35%.
A PHS fatura cerca de R$ 3 milhões por mês, sendo que metade vem do caroço do açaí; a outra metade vem do transporte de outros materiais, como minerais extraídos na região. De acordo com o proprietário da empresa, Pedro da Mata, cada tonelada de caroço é vendida por R$ 180.
No ano passado, a empresa também exportou parte de sua coleta para Portugal e, em outubro, exportará para a Espanha. As indústrias de ambos os países operam sob o guarda-chuva do mercado de carbono europeu.