SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Último presidente da ditadura militar no Brasil, João Baptista Figueiredo (1979-1985), avô do empresário bolsonarista Paulo Figueiredo, apresentou uma postura protecionista e avessa a interferências externas, destoando das ações adotadas pelo neto nos Estados Unidos, segundo especialistas.
Primeiro presidente brasileiro a discursar na abertura da Assembleia Geral da ONU, em 1982, Figueiredo criticou a intervenção estrangeira no Afeganistão. O complexo conflito ocorreu em meio à ocupação do país pela União Soviética, durante a Guerra Fria, com rebeldes apoiados financeira e militarmente pelos Estados Unidos.
“Não se pode aceitar que, em razão da política de blocos, ocorra a ocupação de países soberanos e a interferência em seus assuntos próprios e se imponham limites à sua liberdade, como sucede no Afeganistão”, disse o presidente brasileiro à ocasião.
Figueiredo defendia a retirada das tropas soviéticas da região, mas sem manifestar apoio à intervenção americana. A postura, chamada de pragmatismo ecumênico e responsável, marcou a política externa durante os governos de Figueiredo e de seu antecessor, Ernesto Geisel (1974-1979).
“A ideia era a de se afinar com os Estados Unidos, tanto quanto possível, mas tentar expandir, tentar ampliar a margem de manobra do Brasil, tentar pragmaticamente buscar mercados e buscar alianças onde quer que fosse, em todos os lugares do mundo”, diz Dawisson Belém Lopes, pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e autor do livro “De Bonifácio a Amorim”, sobre a história da diplomacia brasileira.
A diplomacia de Figueiredo reconheceu a soberania argentina sobre as Malvinas, fortaleceu relações com outros países da América do Sul e fez dele o primeiro presidente brasileiro a visitar o continente africano.
“Há muitas críticas, por parte de uma direita mais militante, aos Brics [bloco com China e Rússia, entre outros países]. Mas os Brics seriam perfeitamente compatíveis com a política externa do Figueiredo”, acrescenta Lopes.
Neto do ex-presidente, Paulo Figueiredo tem atuado nos EUA, junto do deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), pelas sanções ao Brasil em defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). A prática tem sido tratada pelo governo Lula (PT) como chantagem para que Bolsonaro seja anistiado no caso da trama golpista.
Galeria O empresário bolsonarista Paulo Figueiredo Neto de João Figueiredo, último presidente da ditadura militar, Paulo Figueiredo é empresário, influenciador e tem feito a ponte entre o bolsonarismo e as autoridades americanas https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1839733496032841-o-empresario-bolsonarista-paulo-figueiredo *** O tarifaço de 50% aos produtos brasileiros -atribuído à interlocução do empresário com a Casa Branca- foi enquadrado na seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, mesma seção que já serviu de ameaça ao Brasil por causa de uma medida adotada por seu avô.
Em 1984, um ano antes da reabertura democrática no país, João Figueiredo sancionou a PNI (Política Nacional de Informática), que visava incentivar o desenvolvimento da indústria de informática brasileira e restringia importações na área.
No ano seguinte, os EUA anunciaram que o Brasil seria investigado por práticas desleais de comércio por causa da PNI, que teria dificultado a vida de empresas americanas de tecnologia no país. Em 1987, o presidente Ronald Reagan chegou a anunciar uma sobretaxa de 100% sobre diversos produtos brasileiros em resposta à lei nacional, algo que não ocorreu.
Embora, na ocasião, o Brasil já fosse governado por José Sarney, a taxação era fruto de uma política adotada por Figueiredo enquanto presidente.
“Acho perfeitamente possível esse paralelo com o Reagan e com as sanções que o Brasil sofreu por força da lei da informática. O avô do Paulo Figueiredo andou às turras com os Estados Unidos. É curioso isso, uma ironia do destino”, observa Dawisson Lopes.
Para Guilherme Casarões, cientista político, professor da FGV e coordenador do Observatório da Extrema Direita, a posição de Figueiredo foi “ao fim, e ao cabo, protecionista”.
“Isso mostra que o Figueiredo tinha uma postura que era patriótica, se a gente quiser colocar assim. Muito diferente da posição dos hoje defensores da direita que querem intervenção norte-americana a qualquer custo no Brasil para poder, segundo eles, derrubar o que chamam de ditadura da toga”, afirma Casarões.
Segundo o cientista político, a atuação de Paulo Figueiredo pelas sanções americanas ao Brasil atenta contra a ideia de soberania defendida pelos militares, incluindo o avô do empresário. De acordo com ele, passado o período do golpe de 1964, apoiado pelos EUA, os militares passaram a buscar autonomia em relação aos americanos.
“O que a gente vê hoje é o Paulo Figueiredo dizendo que o que ele está tentando defender é o Brasil. Mas, para os militares, não faz muito sentido a ideia de convidar uma potência estrangeira a interferir na política interna brasileira para atender a um determinado objetivo político”, diz Casarões.
Paulo Figueiredo é um dos investigados pelo STF na trama golpista. Ele integra sozinho o quinto núcleo da denúncia, único que ainda não foi analisado pela Primeira Turma do STF.