SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Professor titular da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e diretor do Centro de Investigação Translacional em Oncologia do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), o oncologista Roger Chammas afirma que, sem prevenção e diagnóstico precoce, nem as terapias mais avançadas conseguem mudar o cenário do câncer no Brasil.
Presidente da 16ª edição do Prêmio Octavio Frias de Oliveira, que acontece nesta terça-feira (12), Chammas aponta que os entraves para que avanços científicos em oncologia cheguem ao SUS (Sistema Único de Saúde) envolvem custos, necessidade de alinhar a pesquisa às demandas da saúde pública, falta de articulação da rede para diagnóstico e início de tratamento rápidos, além do tempo que leva para as descobertas serem aplicadas na prática.
Para ele, medidas eficientes para o diagnóstico precoce devem ser prioridade na saúde pública. É fundamental conscientizar a população e educar os profissionais de saúde para identificar o câncer rapidamente e iniciar o tratamento sem demora.
O atraso no diagnóstico e início do tratamento tem aumentado a taxa de tumores em estágios avançados, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados em 2023 pelo Instituto Oncoguia. Em 2008, 53% dos pacientes iniciavam quimioterapia ou radioterapia com tumores localmente avançados; em 2021, esse número subiu para 62%.
“Conscientizar sobre prevenção sensibiliza para diagnósticos mais precoces. Para isso, precisamos capacitar mais profissionais e ampliar o olhar sobre o câncer. Por exemplo, na área de câncer de cabeça e pescoço, a formação do dentista para observar a mucosa oral permite o diagnóstico precoce de lesões”, explica.
O câncer de cabeça e pescoço, que inclui tumores na cavidade oral, faringe, laringe, cavidade nasal e tireoide, tem alta incidência no Brasil, um dos países com maior número de casos no mundo, segundo o Inca (Instituto Nacional de Câncer). A detecção tardia pode comprometer as chances de tratamento e cura.
Um estudo do Inca, publicado em fevereiro na revista The Lancet Regional Health Americas, revelou que cerca de 80% desses tumores diagnosticados entre 2000 e 2017 foram detectados em estágios avançados. Chammas destaca que importantes iniciativas para diagnóstico precoce já são realizadas no Brasil, como o trabalho de profissionais que atuam em epidemiologia, área que investiga como, onde e por que os tumores surgem.
Campanhas nacionais de conscientização, como Outubro Rosa e Novembro Azul, que estimulam a população a buscar exames preventivos, além de programas de rastreamento do câncer de colo do útero por meio do exame papanicolau, são exemplos de ações que visam prevenir e diagnosticar precocemente o câncer na saúde pública.
Apesar dos esforços para melhorar o diagnóstico precoce e ampliar a prevenção, muitos pacientes ainda buscam tratamentos inovadores no exterior, especialmente imunoterapia e terapias-alvo. O diretor do Icesp explica que essas pessoas buscam terapias ainda experimentais, que não têm eficácia comprovada.
“O câncer é uma doença que evolui, e muito do tratamento pode ser feito no Brasil. A questão é que é uma corrida entre a evolução da doença e a do conhecimento. Por muito tempo, conseguimos controlar bastante bem, isso no mundo todo. Agora, quando a doença progride, as alternativas terapêuticas diminuem”, afirma.
A partir dos trabalhos de pesquisa clínica feitos fora do país, que são alvo de busca por pacientes brasileiros, e estudos desenvolvidos no Brasil, o país poderá pensar em incorporar novos tratamentos.
“É assim que se promove a evolução dos tratamentos. Mas o que vai melhorar o tratamento da doença é o diagnóstico cada vez mais precoce, quando a evolução ainda é controlável. A partir do momento em que se perde o controle, não existe tratamento, e é por isso que as pessoas vão para fora, para centros que pesquisam novas abordagens. A certeza de resultado diminui à medida que a doença progride.”
Chammas lembra que a saúde responde por parte significativa dos investimentos em pesquisa no Brasil, com financiamento de agências como Fapesp, CNPQ e Ministério da Saúde. No entanto, destaca que deveria haver melhor organização para articular esforços e transferir o conhecimento para a população, o que exige mudança cultural já trabalhada por meio da educação e capacitação.
A pesquisa clínica focada diretamente no problema do paciente traz melhorias nos procedimentos e no manejo do tratamento, afirma. “O país faz muita pesquisa clínica, muito patrocinada pela indústria farmacêutica, que beneficia os pacientes. O gargalo é a incorporação dos resultados, por diferentes razões, na saúde pública.”
Embora alguns tratamentos demonstrem benefícios, não se sabe se todos os pacientes terão o mesmo resultado. “É fundamental informar os gestores sobre o impacto real dessas terapias para a população, tarefa da Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS].”
Para ele, o Prêmio Octavio Frias de Oliveira ajuda a dar visibilidade às pesquisas brasileiras e facilita a captação de recursos, embora a definição de políticas públicas seja responsabilidade do Ministério da Saúde, com apoio técnico da academia e especialistas.