BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A PGR (Procuradoria-Geral da República) denunciou um casal que arrecadou mais de R$ 1 milhão em doações para manter uma cozinha improvisada no acampamento bolsonarista em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília, no fim de 2022.

Rubem Abdalla Barroso Júnior e Eloisa da Costa Leite foram acusados de arrecadar recursos via Pix e, em troca, preparar refeições para os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que pediam ao Exército um golpe de Estado.

O casal ficou conhecido dentro do acampamento bolsonarista como a “máfia do Pix” –grupo que pedia transferências de recursos para manter em funcionamento a estrutura que dava suporte aos manifestantes.

O relatório da Polícia Federal mostra que Eloisa da Costa Leite passou a receber transferências via Pix em massa no início de novembro de 2022, momento em que se formou o acampamento bolsonarista em frente ao QG.

De novembro a janeiro de 2023, ela recebeu pouco mais de R$ 1 milhão em sua conta bancária. Ela repassou R$ 738 mil para outras contas no mesmo período.

A chave do Pix de Eloisa estava estampada em cartazes na Barraca do Abdalla –uma tenda de alimentação coletiva que servia café da manhã, almoço e jantar de forma gratuita. As transferências eram solicitadas como forma de doação, para manter a cozinha em funcionamento.

Segundo a Polícia Federal, o casal tentava “induzir e fomentar a realização de doações de valores para compra de alimentos, o que corresponde, em última análise, ao financiamento dos atos para que os envolvidos pudessem efetivamente integrar o movimento, invadir os prédios públicos e participar da completa destruição dos mais diversos órgãos estatais”.

Os investigadores ainda concluíram haver “fortes indícios de que os valores recebidos tenham sido convertidos em benefício próprio de Eloisa e de Rubem Abdalla, diante do expressivo volume financeiro movimentado”.

A denúncia foi apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, em 9 de julho. O sigilo da investigação foi levantado nos últimos dias.

Gonet diz que a dinâmica do casal consistia na arrecadação de recursos pelo Pix de Eloisa. Depois, ela repassava os recursos para Rubem Abdalla e auxiliares, que faziam comprar em supermercados e padarias.

“Parte da quantia angariada foi destinada para incitar a prática de atos antidemocráticos mediante o fornecimento de alimentos aos frequentadores do QGEx”, afirma Gonet.

A Polícia Federal identificou alguns dos destinatários dos valores repassados por Eloisa. Um deles é João Maria de Lima, ex-proprietário de uma padaria no Distrito Federal.

Ele prestou depoimento em abril de 2024. Contou ter ido algumas vezes ao QG do Exército porque estava “insatisfeito com o resultado das eleições”. João acabou conhecendo Eloisa em uma dessas visitas ao acampamento bolsonarista.

Newsletter FolhaJus A newsletter sobre o mundo jurídico exclusiva para assinantes da Folha *** João disse à Polícia Federal que “vislumbrou a possibilidade de vender pães a Eloisa”. Deu certo: ele passou a fornecer 500 pães em dias de semana e 1 mil aos fins de semana.

Em 8 de janeiro de 2023, ele contou ter ido ao QG do Exército com pães, queijos e presuntos. Em seguida, desceu com os bolsonaristas em direção à Esplanada dos Ministérios. Foi até a rampa do Congresso Nacional.

João disse que “esteve na Esplanada dos Ministérios em razão da insatisfação com o resultado das eleições, mas principalmente em procura de Eloisa, para cobrá-la, pois o valor referente ao queijo e ao presunto não lhe foi pago”.

Ele ainda contou aos investigadores que “notou que brigas e conflitos surgiram no QG-Ex, motivadas em decorrência de acusações de desvio de dinheiro”.

A criação da Barraca do Abdalla e sua dinâmica foi revelada pela Folha. O bolsonarista com longa ficha policial tinha histórico de condenações por crimes diversos e passagens por presídios no Amapá e no Distrito Federal.

Rubem Abdalla ficou preso na Papuda, em Brasília, de 22 de março a 21 de julho de 2023. Ele cumpria pena por ter sido condenado pelo crime de ameaça, em 2019, quando ainda morava no Amapá.

Quando foi solto, um novo mandado de prisão em seu nome foi emitido -dessa vez pelo Supremo Tribunal Federal, pela participação no acampamento bolsonarista. Abdalla, então, fugiu para o Uruguai.

Em novembro de 2024, o cuiabano de sobrenome árabe atravessou a fronteira e chegou ao Brasil pela BR-290, em Rosário do Sul (RS). Agentes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) perceberam que o carro tentava desviar do trajeto quando passava perto do posto da corporação.

Abdalla foi abordado e confessou que estava foragida no Uruguai. Planejava passar rapidamente pelo Brasil para comprar uma geladeira. Acabou preso.

Abdalla e Eloisa não têm advogados registrados nos autos do processo no STF. Uma oficial de Justiça tentou notificar os dois da denúncia oferecida pela PGR no último mês. Quando bateu na porta da casa dos dois, encontrou a mãe de Abdalla.

Rita Abdalla disse que não conversava com o filho desde que foi preso. “A Eloisa se separou dele e desde então não sabe o seu paradeiro; acha, inclusive, que ela já tem outro relacionamento”, disse a mãe do acusado, segundo o registro da oficial da Justiça. A Folha não conseguiu contato com os denunciados.