SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Defensoria Pública de São Paulo, entidade que faz a representação jurídica de quem não tem dinheiro para contratar um advogado, enviou à Assembleia Legislativa uma proposta que cria um novo órgão colegiado interno.
O texto, se aprovado, dá ainda uma série de benefícios aos servidores: cria remunerações extras (os chamados penduricalhos), abre um concurso com 140 vagas e aumenta o salário da defensora pública-geral o que eleva os vencimentos de todos os funcionários do órgão, por causa do efeito cascata.
A própria Defensoria faz uma estimativa do custo extra para os próximos anos: começa em cerca de R$ 37 milhões, em 2025, e chega a R$ 169 milhões, em 2027.
Pelo texto, a defensora pública-geral receberia um aumento de 12% e reajuste de 6% para compensar a inflação, passando a receber mais de R$ 34 mil. Os salários dos defensores variam entre 87% e 99% desse montante.
Também é proposta uma “gratificação pecuniária” de até 15% do valor do maior salário da carreira, que seria pago aos defensores públicos “em condições de especial dificuldade decorrente da localização ou da natureza do serviço”.
O projeto cria uma nova instância dentro da Defensoria, chamada de Grupo de Assessoramento de Demandas Estruturais, com função de “coordenar e incentivar o diálogo com a sociedade civil e com instituições públicas e privadas em demandas estruturais”.
Demandas estruturais, segundo a entidade, são litígios que implicam a criação de novas políticas públicas portanto, que afetam Executivo ou Legislativo estadual ou dos municípios. É o termo técnico para ação judicial com potencial para obrigar o governo a mudar alguma prática.
Há alguns exemplos de ações da Defensoria Pública que tem como objeto a ação do governo do Estadual.
Foi o núcleo especializado em Direitos Humanos e Cidadania da Defensoria, por exemplo, que entrou com um pedido em uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para mudar as regras do edital sobre as câmeras corporais nos uniformes da PM (Polícia Militar). Em maio deste ano, houve um acordo entre Governo de São Paulo e Defensoria que permite o acionamento de câmeras corporais pelos próprios policiais, sem necessidade de gravação ininterrupta, e também pelo o Copom (Centro de Operações da Polícia Militar).
Um outro exemplo de “demanda estrutural” da Defensoria foi o pedido feito para que a prefeitura de São Paulo não se usasse o Smart Sampa, o programa de monitoramento por câmeras, durante o Carnaval deste ano. Após manifestações de aliados do prefeito Ricardo Nunes (MDB), a Defensoria desistiu do pedido.
Hoje, núcleos especializados em temas como infância e juventude, situação carcerária e defesa do consumidor têm liberdade para entrar com ações na Justiça, mesmo se isso representar interferência no Poder Executivo ou Legislativo. Os coordenadores desses núcleos são escolhidos pelo Conselho Superior da carreira.
Se a nova instância for aprovada, será preciso comunicar ao Grupo de Assessoramento de Demandas Estruturais as ações que afetarem outros Poderes. A Defensoria diz, porém, que o grupo “não possui função vinculativa”, ou seja, os núcleos podem decidir se vão seguir as orientações.
A entidade descreve o Grupo de Assessoramento em Demandas Estruturais como um “órgão de caráter consultivo, colaborativo e estratégico, voltado ao apoio em litígios complexos e estruturais, especialmente aqueles que envolvem a criação ou alteração de políticas públicas”. Também terá outras funções, como fazer pareceres sobre as demandas estruturais “que tenham significativa repercussão econômica e social” e emitir notas técnicas.
Já para Luciana Zafallon, da Justa (entidade que estuda o sistema de Justiça), a criação do novo grupo põe em risco a atuação dos atuais núcleos da Defensoria. Segundo ela, o fato de que servidores desses órgãos recebem mais pagamentos poderia levá-los a evitar entrar com ações contra governos municipal ou estadual.
A organização não governamental Conectas afirma que, “embora traga previsão de reajuste salarial para defensores e defensoras públicas, o projeto é criticado por ameaçar a participação democrática no órgão e comprometer seu papel constitucional na defesa de direitos coletivos e difusos”.
Na opinião do defensor público Marcelo Novais, por outro lado, as conversas entre os núcleos especializados estão contaminadas por longas discussões e pelo imobilismo, e a proposta que a Defensoria Pública enviou à Assembleia Legislativa “enfrenta isso”.
“O modelo do conselho dos núcleos temáticos está vencido. Quando criamos, era um avanço, hoje é um retrocesso”, diz ele.
Novais também defende os aumentos dados aos defensores com o argumento de que outros cargos do sistema de Justiça recebem mais.
Zafallon, do Justa, afirma que a discussão pública sobre supersalários está tomando corpo, e os servidores estão em uma corrida para criar mais pagamentos antes de uma eventual nova lei que possa criar limites. “Estão entrando em uma lógica (de criação de pagamentos) em espiral: a magistratura tem mais, e daí o Ministério Público briga para se equiparar; se os promotores ganham mais, a defensoria agora quer se equiparar. Quando o interesse público vai ser vetor do interesse dessas carreiras?”
Em nota, a Defensoria afirma que a ideia de juntar em um mesmo texto as propostas de benefícios para os defensores e a criação do Grupo de Assessoramento de Demandas Estruturais é “uma atitude que favorece o processo legislativo e sua efetividade em relação ao tempo”.
O projeto de lei complementar foi tema de uma audiência pública no dia 5 de agosto na Assembleia.
Roberta Marina, assessora de projetos no programa de enfrentamento à violência institucional da ONG Conectas, foi uma das representantes da sociedade civil que estiveram no encontro. Ela afirma que havia cerca de 70 pessoas na audiência, mas que a Defensoria não enviou nenhum representante.
“Essa é uma reestruturação de um órgão público, e o debate interessa a toda sociedade. O que queremos é uma escuta, que a defensora geral possa abrir mais espaços para que a sociedade possa opinar”, diz.