BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os jabutis de energia a serem votados pelo Congresso podem ajudar a tirar do papel uma usina a gás na região de Brasília que tem como sócios o empresário Carlos Suarez e uma empresa de Pedro Grünauer Kassab, sobrinho de Gilberto Kassab –presidente do PSD e padrinho político do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.

O projeto dos empresários aguarda uma decisão do Congresso sobre um trecho vetado pelo presidente Lula (PT) na sanção da lei das eólicas em alto-mar (offshore) que aumenta o preço máximo para a contratação de usinas a gás.

Os parlamentares têm a decisão final sobre o tema e, caso retomem o dispositivo, o preço da energia seria elevado, o que destravaria o uso de uma série de usinas em regiões específicas do país.

De acordo com análise do Ministério de Minas e Energia obtida pela Folha com base na Lei de Acesso à Informação, no Centro-Oeste a redação do texto faz a contratação das usinas ser possível no Distrito Federal e em Goiás —justamente onde Suarez é sócio das respectivas companhias monopolistas de distribuição de gás.

Documentos obtidos pela reportagem mostram que as empresas citam no processo de licenciamento da usina de Brasília a lei 14.182/2021, que privatizou a Eletrobras. Durante a tramitação, o Congresso inseriu jabutis (textos sem relação com a proposta original) que preveem, entre outros, a contratação compulsória das usinas.

A mesma lei, porém, acabou prevendo um preço máximo para a contratação —o que fez quase todas as usinas ficarem apenas no papel. Agora, o Congresso avalia modificar esse teto (por meio da queda do veto de Lula), liberando as contratações.

A Usina Termoelétrica Brasília (ou UTE Brasília, nome abreviado do empreendimento) tem na sociedade tanto a Termo Norte, uma empresa da CS Energia (de Carlos Suarez), como a Diamante —que tem a família de Grünauer Kassab como acionista indireta, por meio de um fundo de investimentos.

Procurada para comentar a sociedade no projeto, a Diamante preferiu não se manifestar. Gilberto Kassab afirmou em nota que “nunca atuou em assuntos relacionados ao tema ou à empresa e desconhece completamente as informações apresentadas pela reportagem, não tendo, portanto, condições de se manifestar”.

A Termo Norte confirma que a viabilidade do projeto depende de modificações previstas no texto das eólicas offshore. “A implementação do que foi previsto na referida lei requer ajustes que foram contemplados no PL 576/2021 [projeto de lei das eólicas offshore], que foram objeto de veto pelo presidente Lula. Se tais ajustes não forem implementados, os projetos não são economicamente viáveis”, afirma a empresa em nota, reiterando a mesma resposta quando perguntada especificamente sobre o projeto de Brasília

Comandado por Silveira, ligado a Kassab, o Ministério recomendou à Presidência da República o veto ao trecho —assim como outras quatro pastas (Fazenda, Desenvolvimento, Meio Ambiente e Justiça). “Entende-se que o trecho contraria o interesse público”, afirma o documento técnico do MME que embasou a recomendação.

A participação da Diamante Energia no projeto da UTE Brasília não se restringe ao âmbito societário. A empresa esteve envolvida em discussões técnicas, inclusive discutindo o processo de licenciamento ambiental em conversas com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Em uma das reuniões, a Diamante escalou o CEO Paulo Litsek para falar com os técnicos ambientais da autarquia, além de outros dois representantes. Empregados da Termo Norte também participaram das conversas.

O plano dos empresários é erguer a usina na região administrativa de Samambaia, no Distrito Federal –a 33 km da Esplanada dos Ministérios. A unidade teria 1.470 MW de capacidade instalada e seria composta de três turbinas a gás e uma a vapor.

O empreendimento seria abastecido por dois trechos de gasoduto que têm na sociedade também Suarez. Um deles é uma conexão de 50 metros a ser construída e operada pela CEBGás (empresa que é 75% da Termogás, de Suarez; e 25% da CEB, que é controlada pelo governo do Distrito Federal).

A CEBGás tem o monopólio de distribuição no Distrito Federal, obrigando o gás que abastece a usina a passar necessariamente pela tubulação da empresa.

Além disso, o empreendimento seria conectado a um megagasoduto de cerca de 900 quilômetros entre São Carlos (SP) e Brasília, da empresa TGBC (Transportadora de Gás Brasil Central). A TGBC também é da CS Energia (de Suarez), já recebeu licença ambiental de instalação e está em fase final de projeto.

No total, a lei da Eletrobras obrigou a instalação de 8.000 MW de usinas termelétricas, com pelo menos 70% de inflexibilidade (ou seja, gerando de forma ininterrupta mesmo quando não houver necessidade). O preço-teto que impede essas contratações foi mantido por Lula no começo do ano, após ministérios apontarem como consequência alta da conta de luz e aumento da geração de gases de efeito estufa no país.

No total, a contratação dessas usinas tornaria a geração de energia no país R$ 50 bilhões mais cara até 2036, nas contas da estatal EPE (Empresa de Pesquisa Energética). Além disso, faria a matriz elétrica brasileira emitir 84% mais gases de efeito estufa até 2034 –na contramão do esforço contra o aquecimento global.

Há consenso no setor de energia que alguma contratação de termelétricas é saudável para o cenário de geração do país, já que o crescimento das fontes renováveis e intermitentes (como eólicas e solares) demanda um respaldo das usinas a gás –pois, com a intermitência das primeiras, as segundas podem ser rapidamente acionadas por terem um estoque assegurado de matéria-prima.

A contestação entre técnicos está em itens como o preço de energia a ser contratada, as regiões das usinas em questão (sem infraestrutura) e o regime inflexível (quando operam constantemente mesmo quando não é preciso, sendo remuneradas por isso).

A Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres) afirmou em nota técnica sobre o tema que a contratação dessa e outras usinas nesse modelo representa “um ônus elevado para todos consumidores de energia elétrica, em um desenho ineficiente que cria privilégios para alguns empreendimentos de geração com características muito específicas em detrimento de um planejamento de contratações baseadas em eficiência e modernização do mercado”.