SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – São 12.348 favelas no Brasil, onde moram 17,2 milhões de pessoas concentradas em 6,6 milhões de domicílios, ou 8% dos lares brasileiros. Para grande parte dessa população, empreender é uma opção mais fácil do que ter um emprego com carteira assinada.

Esse é o cenário revelado por um levantamento realizado pelo instituto de pesquisa Data Favela a partir de 16.521 entrevistas realizadas com moradores de favelas brasileiras entre os dias 3 e 6 de julho. A margem de erro é de 0,8 ponto percentual para cima ou para baixo.

Os dados mostram que 73% dos moradores de favelas concordam totalmente ou concordam em parte com a afirmação de que o empreendedorismo é um caminho mais simples para melhorar de vida do que ter um trabalho CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Apenas 27% são neutros ou discordam.

Esse desejo de ser empreendedor já aparece no dia a dia das favelas, com 35,6% dos moradores afirmando que já possuem algum tipo de negócio próprio. Desse contingente, 23,4% dependem do empreendedorismo como principal fonte de renda.

“O negócio próprio deixou de ser o plano B para quem mora na favela. Empreender passou a ocupar o lugar de projeto de vida”, diz Renato Meirelles, fundador do Data Favela. “Na pesquisa vimos um ecossistema fervilhante: gente que usa a cozinha como dark kitchen, a laje como estúdio de conteúdo e o beco como corredor logístico.”

Entre esse contingente de trabalhadores que possuem um negócio próprio, 79% desejam ampliar seu empreendimento ou abrir um novo nos próximos 12 meses. Apenas 9% dos empreendedores disseram ao Datafavela que desejam um trabalho com carteira assinada.

Marcus Vinícius Athayde, presidente da organização não-governamental Cufa Global (Central Única das Favelas), avalia que a informalidade sempre foi mais predominante nas favelas, mas diz que anteriormente havia um desejo maior pelo trabalho CLT.

“Mas a valorização da CLT mudou com a pandemia e o Pix. A gente teve a ascensão de um novo mercado para negócios digitais, para prestação de serviços, maior bancarização. E as pessoas que moram nas favelas passaram a ter a referência de outros empregos e a querer uma flexibilidade maior”, afirma.

Athayde lembra que a desvalorização da CLT existe na sociedade em geral, mas é mais intensa nas favelas. Pesquisa Datafolha aponta uma queda de dez pontos percentuais no percentual de brasileiros que julgam que trabalhar com carteira é mais importante. Mesmo assim, 67% dos brasileiros em geral ainda julgam que ser CLT é mais importante que não ter vínculo formal.

Para o presidente da Cufa, além dos fatores financeiros, esse movimento tem peso maior nas periferias também pela distância de locomoção até o trabalho, com o transporte público demorado e muitas vezes ineficiente.

É a mesma avaliação de Meirelles. “O trabalho formal prometia estabilidade, mas trouxe deslocamento longo, salário comprimido e pouca flexibilidade. Ao abrir o próprio negócio, o morador consegue adaptar horários, driblar o custo do transporte e, sobretudo, ver o resultado do esforço mais rapidamente”, afirma.

O levantamento ainda mediu a visão da população que vive em favelas em relação à possibilidade de usar benefícios sociais, como o Bolsa Família, para começar um negócio próprio. Entre os ouvidos, 69,7% concordaram com essa afirmação.

“O Bolsa Família virou a primeira alavanca de capital nas comunidades. Em vez de ser visto apenas como garantia de comida na mesa, ele também serve para comprar a primeira fornada de ingredientes, a chapinha que inaugura um salão ou o estoque de bijuterias que roda nas redes sociais”, diz Meirelles.

Por outro lado, há um aspecto preocupante desse movimento em direção à informalidade: apenas 26% dos empreendedores nessas áreas possuem registro formal via CNPJ ou são MEIs (microempreendedores individuais).

“As pessoas passaram a ver vantagem em trabalhar por conta própria, mas ainda não são instruídas sobre a necessidade de proteção para os momentos de necessidade. É um ponto importante para o poder público pensar, sobre como aumentar o acesso à informação”, aponta Athayde.