SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cerca de 30 mil trabalhadores celetistas Saúde vinculados ao Governo do Estado de São Paulo têm enfrentado falhas com os registros de suas contribuições ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e pagamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) por parte da administração estadual.
O problema teria começado em 2022 e envolve alguns períodos trabalhados. Segundo os servidores, as contribuições à Previdência Social são descontadas, mas não aparecem no Meu INSS, impedindo a concessão de benefícios, e o FGTS não consta como depositado.
O governo nega que haja inadimplência, mas reconhece falhas nos sistemas, que estariam sendo resolvidas.
MESMO COM ANOS DE TRABALHO, BENEFÍCIOS SÃO NEGADOS
A situação atinge médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem, psicólogos, assistentes sociais e servidores administrativos do Iasmpe (Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual de São Paulo) e dos Hospitais das Clínicas de São Paulo, Ribeirão Preto, Botucatu e São José do Rio Preto, entre outros.
Levantamento recente mostra que o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, por exemplo, estaria sem registros de depósito de FGTS desde o início de 2025. Já no HC de São Paulo, haveria registros apenas de janeiro a abril de 2025 e lacunas nos anos anteriores, como de outubro a dezembro de 2022, e todo o ano de 2024.
No Iamspe, os valores referentes a janeiro e fevereiro de 2025 foram pagos somente no início de maio, e o restante apenas no fim de junho. Os atrasos ocorrem porque os lançamentos seriam feitos manualmente.
A técnica em enfermagem Denise Roberto de Souza Almeida, 46, funcionária do Hospital do Servidor Municipal há 23 anos, viveu situação dramática após descobrir um câncer de mama no final de 2023, quando precisou ficar 45 dias afastada após a retirada de um tumor.
A recomendação médica era para um afastamento maior, para que pudesse fazer as sessões de radioterapia, por isso, em fevereiro, foi à perícia do INSS. Após ser examinada pelo médico e não ter resposta ao seu pedido de auxílio-doença, descobriu que havia divergências em suas contribuições.
“A última contribuição tinha sido em setembro de 2022. Depois, descobri que não consta no Cnis [Cadastro Nacional de Informações Sociais]. Eles descontam, mas não está lá, é como se a gente não estivesse trabalhando”, diz.
Denise só conseguiu receber os valores após buscar auxílio de uma advogada. Incapacitada, não conseguiu voltar ao trabalho, já que estava fazendo sessões de radioterapia. Neste período, foi ajudada por colegas que fizeram vaquinha. Ao todo, foram cinco meses sem trabalhar. “Recebi só até março”, conta.
“Fiquei todo esse tempo sem pagamento, sem receber um real. A hora que eu mais precisei, não consegui [o benefício].” Além das sequelas do câncer, a técnica de enfermagem acumula 40 faltas no período, que tentar tirar do seu prontuário.
Vanessa Soares Santos, 44 anos, técnica de enfermagem concursada há quase 11 anos no Hospital do Servidor Público Estadual, precisou se afastar após uma cirurgia na mão. Ao buscar o auxílio-doença, recebeu um valor muito abaixo do esperado.
“O valor correto seria de pelo menos R$ 5.000, mas apenas R$ 3.000 foram pagos”, disse. Ela só descobriu o erro após consultar uma advogada. “Se fosse receber só pelo Iamspe, não ia receber nada, porque estava tudo atrasado.”
Apesar de ter retornado ao trabalho após cinco meses, ainda enfrenta limitações físicas. “Não consigo pegar peso. Se trabalhasse na UTI adulto, teria que pedir para sair.”
As falhas também atingem funcionários municipalizados de órgãos extintos pelo estado, como é o caso de Valdomiro Rodrigues de Araújo Filho, 53 anos, agente da antiga Sucen (Superintendência de Controle de Endemias).
Ele sofreu um grave acidente em julho de 2023, ficando 13 dias internado com fraturas expostas e ossos esmagados. O afastamento recomendado pelo médico era de ao menos dez meses, mas o INSS concedeu apenas 90 dias por meio do sistema Atestmed, que dispensa perícia presencial.
Ao receber o benefício, descobriu que o valor de R$ 1.400 se baseava nas contribuições como MEI (Microempreendedor individual), e não como servidor público.: “Descobri que constava o vínculo com a Saúde, mas sem renda. O governo não depositava os valores desde outubro de 2022.”
Sem a renda adequada, precisou voltar ao trabalho ainda doente, após convencer o perito do INSS dos danos psicológicos da inatividade. “Ficamos vivendo com o salário da minha mulher, que é professora. É muito difícil, depois de 28 anos de trabalho você precisar de um benefício, e ninguém fala nada.”
Por ter sido enquadrado como MEI, perdeu também o direito ao auxílio-acidente e aguarda a revisão do processo. “Tem que ter um psicológico muito bom.”
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO NA JUSTIÇA
O Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo e o SindSaúde-SP (Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo) levaram o caso ao MPT (Ministério Público do Trabalho).
Uma tentativa de conciliação, realizada em maio, fracassou após o governo estadual não enviar representantes com capacidade de esclarecimento, o que levou ao arquivamento do processo pré-judicial.
“Após vários debates, com o pronunciamento do requerente e das entidades requeridas, está demonstrado que não houve a solução definitiva das informações de cada um dos empregadores junto ao eSocial”, escreveu o desembargador Francisco Ferreira Jorge Neto no termo de reunião.
Sem acordo, o presidente do Simesp, Augusto Ribeiro Silva, não descarta entrar com ação.
Gervásio Foganholi, presidente do SindSaúde-SP, afirma que o problema persiste desde a implementação do eSocial em 2018, mesmo após o prazo de adaptação dado pelo governo federal, encerrado em 2022.
“Não houve preocupação com os servidores públicos. Entramos com pedido de mediação na Justiça, mas o processo não gera sentença e o governo só protela a resolução. Alguns dados estão sendo inseridos manualmente, mas sem registro efetivo no sistema”, afirma.
Diante da situação, servidores chegaram a ameaçar greve em julho. A paralisação foi suspensa após o sindicato ser chamado para uma negociação com várias secretarias estaduais. Na ocasião, o governo prometeu regularizar a situação até agosto.
“Disseram que iriam incluir todos os dados dos servidores numa nova plataforma, e em agosto estaria tudo sanado”, diz Foganholi, que aguarda a resolução total.
O QUE O GOVERNO DIZ
O Governo do Estado de São Paulo afirma que os pagamentos das contribuições ao INSS e do FGTS estão em dia, sem inadimplência, e que as certidões negativas estão disponíveis para consulta. A gestão estadual reconhece, no entanto, que podem ocorrer divergências técnicas nos sistemas.
“Eventuais divergências podem ocorrer em razão de conflitos de escrituração digital, obrigação acessória do sistema, sem impacto no recolhimento efetivo dos benefícios”, diz nota enviada pela SGGD (Secretaria de Gestão e Governo Digital).
O órgão afirma que houve recadastramento em 2023 e, depois disso, a gestão “intensificou as atividades para cumprir obrigações inerentes à escrituração no eSocial”. Além disso, uma atualização de dados de períodos anteriores está sendo realizada pelas Subsecretaria do Tesouro Estadual e Subsecretaria de Gestão de Pessoas.
A Secretaria de Estado da Saúde afirma que que se reúne mensalmente com os representantes do SindSaúde-SP “para dialogar sobre as pautas de interesse coletivo”.
“A SES atua em conjunto com as secretarias da Fazenda e de Gestão, Governo Digital e Prodesp para desenvolver a ferramenta que integre os dados ao sistema do governo federal, o eSocial, de forma rápida e objetiva”, diz.
Procurados, INSS e Previdência não responderam.