SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Moradora há mais de 40 anos em uma casa a poucos metros da rodovia Fernão Dias, na zona norte de São Paulo, a comerciante Gildete Araújo, 72, lembra detalhes de um dos muitos acidentes que presenciou da sua porta. “Corri com meu marido para ajudar um homem atropelado ao tentar atravessar entre os carros. Ele tinha fraturas expostas nas mãos.”

O endereço da comerciante fica a poucos metros do ponto onde houve mais mortes no trânsito da cidade na última década, na altura do quilômetro 60 da Fernão Dias, no bairro Parque Edu Chaves, quase divisa com Guarulhos, na Grande São Paulo.

Neste ponto, em um raio de 50 metros, foram registrados 21 acidentes fatais —a maioria, de pedestres que tentaram atravessar a rodovia entre os carros e foram atingidos antes de chegar ao outro lado, como o homem que a moradora ajudou.

O trecho se junta a outros três pontos com recorde de óbitos no mesmo período. Em comum, são ocupados por favelas e moradias irregulares a beira da rodovia, onde há fluxo grande de pessoas em meio a veículos que trafegam a até 110 km/h.

Os locais onde houve mais acidentes fatais de trânsito foram organizados em mapa de acordo com a geolocalização das ocorrências registradas nos últimos nove anos em São Paulo pela Folha a partir de informações do Infosiga, sistema estadual que mede a violência no trânsito.

“Vias com alta velocidade próximas a locais com alta ocupação urbana é uma junção trágica”, diz o especialista em urbanismo social Sérgio Avelleda, coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Laboratório Arq.Futuro de Cidades do Insper.

Ele explica que o problema envolve diferentes níveis de governo, o que dificulta a busca pela solução. “A prefeitura não tem gestão sobre a rodovia, que é uma concessão federal, mas as pessoas ali são moradoras da cidade. Isso cria um limbo de gestão”, diz ele, que enxerga a rodovia como uma espécie de cicatriz que divide o bairro e obriga os moradores a cruzar de um lado para o outro.

No primeiro semestre deste ano, 483 vítimas morreram no trânsito na cidade, um pouco abaixo dos 522 óbitos registrados no mesmo período do ano anterior. Apesar da ligeira queda, o patamar de mortes se mantém alto desde o primeiro semestre de 2023, quando houve 396 mortes.

Questionadas, as gestões do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) não informaram ações específicas sobre os pontos citados. A secretaria executiva de Mobilidade e Trânsito (Semtra) e a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) afirmaram terem criado áreas com velocidade reduzida e implantado mais de 10.000 faixas de pedestres.

O Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) informou que intensificou as ações educativas em 2025, entre elas, uma campanha com foco na segurança dos pedestres.

Em nota, a Arteris, concessionária da Fernão Dias, afirmou que a rodovia dispõe de 26 passarelas no trecho paulista e que promove ações educativas para conscientizar a população sobre travessia segura.

Apesar de o trecho mais perigoso da cidade ser atendido por duas passarelas, é comum presenciar moradores se arriscando entre os carros em alta velocidade para atravessar a rodovia. Entre as 145 mortes registradas na área urbana da Fernão Dias nos últimos nove anos, 58,6% foram de pedestres atingidos por veículos, 17,9% dos acidentes envolveram motocicletas e 14,4%, colisão entre automóveis.

Para Avelleda, porém, as passarelas não podem ser consideradas um equipamento de segurança no trânsito. “É feita para manter o fluxo dos carros em áreas habitadas, e não para preservar os pedestres”, diz. “Se as autoridades estivessem preocupadas com os pedestres, criariam uma via cindida para as travessias”, continua.

Ele explica que para cruzar uma passarela é preciso percorrer, em média, 300 metros, considerando a inclinação necessária para atender os requisitos de acessibilidade, sendo que a travessia da via se dá em cerca de 80 metros. “Isso faz muita diferença para quem está andando no frio, na chuva, no sol, no vento. Só critica o pedestre por não usar a passarela quem nunca teve que fazer isso”, diz Avelleda.

Além da Fernão Dias, trechos urbanos das rodovias Bandeirantes e Anhanguera também aparecen na lista de pontos com mais mortes no trânsito na cidade, seguidos pelas marginais Tietê e Pinheiros, onde 245 pessoas morreram em acidentes desde 2015.

Diferente das rodovias, onde os pedestres estão entre as vítimas mais recorrentes, as marginais concentram acidentes fatais com motociclistas, responsáveis por 58% dos óbitos. Os atropelamentos foram 21,2% das ocorrências e as colisões entre automóveis, 14,8%.

O Ministério Público de São Paulo iniciou investigação sobre a segurança viária na capital paulista após aumento das mortes de motociclistas. No ano passado, as ocorrências de trânsito com mortes na capital paulista envolvendo motos cresceram 20,6% em comparação com 2023. No mesmo período, as mortes de trânsito em geral tiveram alta de 11,3%.