BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em reação à guerra tarifária aberta pelo governo de Donald Trump, o Brasil busca impulsionar novos acordos comerciais e reativar antigas negociações para diversificar parceiros e compensar, ao menos em parte, a potencial perda de espaço no mercado dos Estados Unidos.
Um dos planos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é anunciar o relançamento formal das negociações do acordo comercial do Mercosul com o Canadá no fim de agosto, durante visita do ministro canadense de Comércio Internacional, Maninder Sidhu, a Brasília.
A confirmação do anúncio em agosto hoje depende de consultas com os sócios do Mercosul: Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. O Brasil é o responsável por coordenar as tratativas pelo lado sul-americano.
Ainda não está definido quando as equipes negociadoras poderão voltar a se reunir, o que não ocorre há cerca de quatro anos. A meta é que uma nova rodada de conversas ocorra ainda no segundo semestre, durante a presidência rotativa do Brasil no Mercosul.
As discussões de um acordo de livre comércio entre Mercosul e Canadá estão paralisadas desde a última reunião dos negociadores, em 2021. Diversos fatores contribuíram para a perda de interesse de ambos os lados, entre eles a pandemia de Covid-19 e as diferenças ideológicas entre as gestões passadas, do brasileiro ultraconservador Jair Bolsonaro e do canadense progressista Justin Trudeau.
A chegada de Donald Trump à Casa Branca mudou o cenário e reforçou tanto em Ottawa como em Brasília a avaliação de que é preciso diversificar fornecedores e reduzir barreiras ao comércio. O diagnóstico é especialmente sensível no Canadá, país que destina mais de 70% das suas exportações para o vizinho.
Segundo a secretária de Comércio Exterior do Mdic (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços), Tatiana Prazeres, a visita do ministro será uma oportunidade para avanço em temas como segurança alimentar, acesso a mercados e investimentos sustentáveis.
“O Canadá compartilha com o Mercosul princípios como sustentabilidade, comércio justo e valorização do multilateralismo. Há espaço político e econômico para avançarmos nessa agenda”, disse.
Gustavo Ribeiro, gerente de inteligência de mercado da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), ressalta que o Canadá pode ser um mercado interessante ao Brasil por ter padrões de consumo similares aos dos EUA e vê um alinhamento entre os países no tema da energia limpa.
“É uma alternativa interessante para alguns produtos, para a densidade de cadeia e para investimentos também. É um parceiro importante para a transição energética”, afirma.
O Canadá é um importante fornecedor de adubo para o Brasil, potencial que pode ser ainda mais explorado diante do temor de sanções de Trump aos compradores de produtos da Rússia –a exemplo do que ocorreu com a Índia.
O governo brasileiro estima um efeito positivo de R$ 4,14 bilhões sobre o PIB (Produto Interno Bruto) com o acordo Mercosul-Canadá e aumento de R$ 1,39 bilhão em investimentos para o ano de 2041. Prevê ainda um impacto de R$ 3,77 bilhões sobre as importações e de R$ 3,89 bilhões sobre as exportações.
Dada a complexidade das negociações, um membro do governo brasileiro coloca um prazo de mais de um ano como meta para concluir as tratativas com os canadenses. Segundo esse interlocutor, é consensual a percepção de que os países precisam se reposicionar no comércio global com agilidade.
Com esse estímulo, o governo Lula mira se aproximar do México –sobretaxado em 30% pelos Estados Unidos– com o objetivo de aprofundar a integração econômica e produtiva entre os países.
Em discurso no CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável), o chamado Conselhão, Lula afirmou que o vice-presidente Geraldo Alckmin viajará ao México no dia 24 de agosto. Ele estará acompanhado de uma delegação de empresários. A agenda inclui temas como sustentabilidade, inovação, investimentos e integração regional.
Outro foco do Brasil é concluir ainda este ano as negociações do Mercosul com os Emirados Árabes Unidos, que já estão em estágio avançado, segundo interlocutores ouvidos pela reportagem.
As tratativas para um acordo de livre comércio tiveram início formal em julho do ano passado e visam eliminar ou reduzir tarifas alfandegárias e outras barreiras comerciais, além de facilitar o fluxo de investimentos e serviços entre as partes.
A Secex avalia que o acordo abrirá oportunidades para exportações brasileiras de alimentos, máquinas, equipamentos e serviços, além de atrair investimentos em áreas como infraestrutura, energia e inovação.
“O principal desafio é harmonizar marcos regulatórios e equilibrar interesses em termos de acesso a mercados e sensibilidades setoriais, tanto por parte do Mercosul quanto dos Emirados”, afirma a secretária.
Segundo o técnico da Apex, o Oriente Médio é um mercado interessante para materiais de construção civil. A exportação de carnes (bovina e de frango) e castanhas para a região também podem crescer.
Em outra frente, membros do governo brasileiro esperam assinar em meados de setembro o acordo Mercosul-Efta (Associação Europeia de Livre Comércio), fechado em julho.
Os membros do bloco sul-americano passarão a ter acesso preferencial aos mercados de Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein. Na avaliação de Ribeiro, produtos brasileiros com apelo de sustentabilidade e itens mais sofisticados podem ganhar espaço nesses países de alto poder aquisitivo.
De acordo com estimativa do governo Lula, o acordo Mercosul-Efta pode gerar um efeito positivo de R$ 2,69 bilhões sobre o PIB e aumento de R$ 660 milhões em investimentos, tendo o ano de 2044 como referência. A projeção também aponta um impacto de R$ 2,57 bilhões sobre as importações e de R$ 3,34 bilhões sobre as exportações.
O tarifaço de Trump também fez crescer a expectativa em torno do acordo entre o Mercosul e a União Europeia. “O novo contexto geopolítico reforça a relevância de parcerias baseadas em regras claras, previsibilidade e confiança mútua”, afirma Prazeres, que espera a assinatura do tratado até o fim do ano.
No Brasil, há a avaliação de que a guerra comercial e a insatisfação dos líderes europeus com o acerto feito entre a UE e os Estados Unidos possam ajudar a diminuir a resistência de países como a França ao tratado com o bloco sul-americano.
Thierry Besse, presidente da Câmara de Comércio França-Brasil em São Paulo, diz ver os recentes acontecimentos como catalisadores para o acordo UE-Mercosul. “O que mais falta acontecer no mundo para nos convencermos de que esse acordo é importante e urgente?”
“Era um acordo que já parecia importante e agora é mais do que evidente a sua necessidade em uma ótica de diversificação dos parceiros comerciais para ambos os blocos”, acrescenta, em defesa da rápida ratificação do acordo.
O principal ganho, na visão dele, seria a integração das cadeias produtivas dos dois blocos econômicos no longo prazo.