SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Investir pensando no futuro dos filhos se tornou uma prática comum entre pais e pode ser uma forma de garantir os gastos necessários para custear estudos, ajudar na compra do primeiro imóvel ou mesmo montar uma aposentadoria. Para que isso funcione, no entanto, especialistas indicam que primeiro é preciso olhar para a saúde financeira dos pais.
Na prática, porém, equilibrar as finanças pessoais, manter uma reserva de emergência e ainda investir para os filhos está longe de ser a realidade da maior parte das famílias brasileiras.
Por isso, planejadores financeiros recomendam a delimitação de objetivos específicos como forma de começar. Daruã Penezio, executivo de negócios da Abefin (Associação Brasileira dos Profissionais de Educação Financeira), por exemplo, é pai de Lorenna, 12, de Luiza, 9, de Matteo, 2, e de Lucca, 1, e decidiu investir para os filhos desde o nascimento, com o objetivo de garantir uma renda previdenciária no futuro.
Inicialmente, ele abriu um plano de previdência privada para cada uma das crianças. Depois, passou a investir também em fundos imobiliários, em busca de maior rentabilidade e diversificação. Ele conta que escolheu começar pela previdência por considerá-la uma opção segura para o longo prazo.
Apesar da diferença de idade entre os filhos, o objetivo para todos é o mesmo: “Penso em uma aposentadoria para eles no futuro”, diz Penezio.
A consultora financeira Carol Stange diz que, para quem quer começar a investir, o primeiro passo é entender o motivo para a realização do investimento.
“Tudo começa pelo objetivo financeiro e o prazo para alcançá-lo. Esses dois fatores determinam a rota: se o objetivo é de curto prazo, a busca deve ser por investimentos com liquidez e baixo risco. Se for algo mais distante, como a faculdade ou a vida adulta do filho, o tempo passa a trabalhar a favor da estratégia e abre espaço para diversificação e até um pouco mais de ousadia”, diz.
Na avaliação de Michael Viriato, assessor de investimentos e colunista da Folha, em alguns casos, a melhor estratégia pode ser justamente não investir para os filhos. Segundo ele, o ato de poupar já é um desafio, e começar uma reserva para os filhos pode parecer uma escolha mais fácil, mas nem sempre é a mais eficaz.
Para quem começa a poupar aos 50 anos, por exemplo, é preciso reservar valores maiores para garantir uma renda adequada para uma aposentadoria. Quando a reserva é iniciada para uma criança, o cenário muda e aparenta ser melhor, pois o tempo passa a trabalhar a favor do investidor. Contudo, ele destaca que poupar pouco pode ser frustrante, uma vez que o valor cresce mais devagar e, com isso, as chances de desistir são maiores.
Viriato diz ainda que, com o aumento da expectativa de vida e a falta de planejamento, muitos adultos passam a ter de cuidar financeiramente dos próprios pais. Para evitar isso, ele afirma que garantir a própria estabilidade deve vir antes de qualquer planejamento para as próximas gerações.
Myrian Lund, professora da FGV e especialista em finanças, reforça que é essencial que os pais cuidem primeiro dos próprios rendimentos, pensando em sua aposentadoria complementar.
Ela destaca ainda que, com educação financeira, os filhos provavelmente aprenderão a investir e, com isso, os pais devem focar rendimentos voltados à educação, como o Tesouro Educa+. “O que é legal é que o filho invista. Normalmente, eu estimulo que as crianças tenham uma mesada e, a partir dela, elas façam o seu investimento”, explica a especialista.
O professor universitário Marcelo Francisco Pompelli também escolheu a previdência privada como investimento para o seu filho, Antônio, de 13 anos. Ele diz que buscou o investimento com o desejo de garantir um ponto de apoio no futuro. “Representa uma forma concreta de estar presente na vida dele, mesmo que daqui a alguns anos eu não esteja fisicamente ao seu lado. Acredito que essa seja uma forma silenciosa de demonstrar meu amor, cuidado e carinho”, diz.
Segundo ele, a ideia é manter esse recurso crescendo até que o filho esteja maduro o suficiente para decidir como usá-lo. Hoje, o investimento representa cerca de 3% de sua renda mensal e, quando recebe extras, como férias e 13º, o valor depositado é triplicado.
COMO ORGANIZAR OS GASTOS?
Myrian Lund recomenda que entre 10% e 12% da renda seja destinada à aposentadoria, garantindo um valor adequado no futuro. Segundo ela, o ideal é que a pessoa organize o orçamento para viver com 70% do que ganha, destinando os 30% restantes da seguinte forma: 10% para a reserva de emergência, 10% para objetivos e sonhos e 10% para a aposentadoria.
Ela ressalta ainda que a aposentadoria dos pais não deve ser encarada como herança, mas como um recurso próprio, voltado ao bem-estar.
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS OPÇÕES DE INVESTIMENTO E QUAIS SÃO AS DIFERENÇAS ENTRE ELAS?
Carol Stange explica que, entre as principais opções, estão:
– Previdência privada: ferramenta de sucessão e acúmulo de longo prazo. É uma boa alternativa desde que os pais escolham um plano com boa performance, baixa taxa de administração e regime tributário regressivo. É ideal para quem quer investir com constância e proteger o patrimônio de burocracias futuras.
– Tesouro Direto (Tesouro IPCA+ com vencimento longo): funciona como uma forma de garantir o poder de compra do dinheiro no futuro. Stange diz que ele é acessível, seguro e previsível, sendo uma boa opção para quem quer algo mais técnico e controlado.
– Fundos de investimento: podem diversificar a carteira desde cedo, mas é preciso analisar bem as taxas e o risco. Fundos mais conservadores podem ser usados como porta de entrada, enquanto fundos multimercado ou ações são de maior risco.
– Contas digitais com rendimento automático: é uma boa opção para quem ainda está criando o hábito de poupar ou deseja deixar o dinheiro com liquidez. Ela destaca que é difícil definir qual seria o melhor investimento e que o importante é avaliar o objetivo da família. “Se for planejamento sucessório e tributário, e pensando a longo prazo, previdência privada faz muito sentido, mas, se o objetivo for obter rentabilidade real (aquela acima da inflação), o Tesouro IPCA+ é o vencedor disparado”, diz.
E O TESOURO EDUCA+?
Entre as opções de investimento, está o Tesouro Educa+, título público voltado para o planejamento financeiro de estudos de crianças. Ele está atrelado ao IPCA, com isso, protege o poder de compra ao longo do tempo. Ele permite que os investidores recebam o valor investido e rendimentos de forma parcelada, em até 60 meses (5 anos), após o vencimento do título.
Segundo Michael Viriato, ele pode ser uma boa alternativa para quem tem o objetivo claro de custear estudos. Além dele, outra opção é o Tesouro Renda+, em que o investidor escolhe uma data de aposentadoria e garante um salário complementar por 20 anos.
Myrian Lund diz que esses produtos são os melhores do mercado e que, apesar de apresentarem volatilidade ao longo do tempo, garantem o valor pactuado se mantidos até o vencimento.
Ela indica ainda dois tipos de renda fixa: o CDI, ideal para reservas de emergência e objetivos de curto prazo, e os títulos de inflação mais juros, voltados para aposentadoria. Para quem tem perfil de risco e deseja investir em ações, ela recomenda focar o mercado internacional, que oferece mais oportunidades, especialmente em setores ligados à tecnologia.
AUMENTO NA BUSCA PELA PREVIDÊNCIA PRIVADA?
Um levantamento realizado pela BrasilPrev indica que o número de pais com planos Júnior, previdência privada projetada para crianças e jovens, cresceu 20% nos últimos três anos, passando de 215 mil para 258 mil contratos. Sandro Costa, head de produtos da BrasilPrev, diz que isso acontece porque “a aposentadoria tradicional, como conhecemos hoje, está cada vez mais fragilizada, especialmente para as próximas gerações”.
Ele afirma que os pais contratam o recurso com o objetivo de construir uma base sólida para o futuro dos filhos. “Mais do que pensar em um destino específico, como faculdade ou intercâmbio, trata-se de criar uma reserva que possa ser usada com liberdade e inteligência ao longo da vida”, diz.
Entre junho de 2022 e junho de 2025, a reserva média acumulada nesses planos aumentou 27%, atingindo cerca de R$ 25 mil.
TESOURO RENDA+ OU PREVIDÊNCIA PRIVADA?
De acordo com os especialistas, enquanto o Tesouro Renda+ costuma facilitar o planejamento por oferecer simulações claras sobre o valor a ser acumulado e o montante que será possível sacar, a previdência privada pode ter vantagens tributárias relevantes, especialmente em planos com regime regressivo de Imposto de Renda.
A escolha entre os dois depende, assim, do perfil e dos objetivos do investidor.
INVESTIMENTO NO NOME DOS PAIS OU DOS FILHOS?
Segundo Carol Stange, investir diretamente no nome do filho pode ser uma boa alternativa quando os pais querem blindar o patrimônio de riscos como penhoras, separações ou disputas judiciais. Além de ser útil para garantir que aquele recurso vá, de fato, para o filho.
Ela destaca, no entanto, que é preciso atenção, pois o dinheiro passa a ser legalmente da criança. “Ao atingir a maioridade, ela poderá movimentar esses valores livremente. Se não houver preparo, isso pode levar a decisões financeiras impulsivas e até desastrosas”, diz.
COMO EQUILIBRAR RENDA FIXA E VARIÁVEL?
Carol diz que, com a Selic alta, a concentração em renda fixa pode fazer sentido, mas é necessário lembrar que ela é uma taxa cíclica e, quando ela cair, quem estiver 100% na renda fixa pode ver seus ganhos diminuírem consideravelmente.
Como exemplo, ela diz que uma carteira mais conservadora pode ter 60% em renda fixa e 40% em ativos de maior risco, como fundos multimercados, ações ou ETFs. Um perfil mais arrojado pode inverter essa lógica, com 60% em renda variável e o restante em ativos mais estáveis.
QUAIS SÃOS OS PRIMEIROS PASSOS E COMO INTRODUZIR A EDUCAÇÃO FINANCEIRA?
Reinaldo Domingos, presidente da DSOP Educação Financeira, diz não é preciso começar com muito para investir uma vez que, nos últimos anos, o surgimento de novos produtos e o avanço da digitalização bancária trouxeram mais praticidade.
Com relação à introdução da educação financeira, ele diz que conversas podem ser iniciadas desde que a criança começa a se comunicar. Segundo ele, mais do que uma conversa formal, o exemplo é o que mais ensina, sendo importante o cuidado com o comportamento no dia a dia.
Por volta dos sete anos, pode-se iniciar o sistema de mesada. Ele destaca, no entanto, que é fundamental evitar transformar o dinheiro em moeda de troca, como pagar por tarefas domésticas ou por boas notas. “A mesada é uma doação, não uma barganha”, diz.
Ele também aponta que é interessante aplicar o conceito dos “três cofrinhos”, representando os sonhos de curto, médio e longo prazo. “Isso ajuda a criança a entender que alguns sonhos se realizam mais rápido, enquanto outros exigem mais tempo -e que é possível caminhar com todos ao mesmo tempo”, diz.