SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um casamento arranjado entre uma jovem batalhadora e um magnata misterioso parece enredo de uma tradicional novela da TV aberta, mas é a premissa de “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário”. A primeira produção brasileira criada para a ReelShort, plataforma chinesa dedicada às micronovelas, gravadas em formato vertical, sob medida para celulares.
Com 68 episódios de até dois minutos, o enredo adapta uma versão em inglês, de 2023, que acumula 480 milhões de visualizações no aplicativo. A edição brasileira, por sua vez, somou mais de 440 milhões de views em dois meses.
Na trama, uma jovem precisa custear o tratamento da mãe doente e recorre ao pai, que hoje vive com a família Torres, ao lado de uma madrasta e uma meia-irmã malvadas. Ele só aceita dar o dinheiro com a condição de que ela se case com um homem bastardo dos Torres, recém-saído da prisão. O que ela não imagina, porém, é que o bilionário charmoso guarda um grande segredo.
Produzida Bewings Entertainment, comandada pelo casal Iury Pinto e Katharine Albuquerque, a micronovela foi rodada no Rio de Janeiro em apenas uma semana e depois vendida à ReelShort, plataforma que já fazia sucesso em outros países. Ela começou a atrair atenção no Brasil há dois anos e atingiu seu pico de interesse com o lançamento da novela em 17 de maio, segundo dados do Google Trends.
A plataforma disponibiliza os primeiros capítulos gratuitamente –no caso da brasileira, os 12 primeiros–, e oferece pacotes pagos para acessar os restantes. Os usuários podem comprar uma moeda própria do serviço –em ofertas que variam de R$ 6,90 (100 moedas) a R$ 299,90 (5.000 moedas)– e gastar cerca de 18 moedas para liberar episódios individuais. É possível ainda ganhar moedas vendo dezenas de anúncios por dia no aplicativo. E há a assinatura semanal (R$ 39,90) e anual (R$ 499,90), que abrem todo o conteúdo.
O valor é alto em comparação com outros serviços de streaming tradicionais –o Globoplay, por exemplo, oferece um plano mensal com anúncios por R$ 22,90.
Quem quiser ver as pouco mais de duas horas de “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário” sem uma assinatura precisa desembolsar cerca de R$ 70. Pinto concorda que o preço pode ser um obstáculo e afirma que tem recebido muitas reclamações sobre esse aspecto nas redes sociais.
Albuquerque, por sua vez, diz que muitos usuários acabam vendo as publicidades para ganhar as moedas. “Recebemos mensagens de pessoas que já viram dez, 15 vezes, todas com anúncios”, conta.
Mesmo assim, não é difícil se deparar, no TikTok, com perfis que pirateiam episódios inteiros da micronovela. Pinto diz que essa prática não é exclusividade do ReelShort e que outros streamings também sofrem com isso.
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Para o produtor, que trabalhou por 12 anos na Globo como editor em produções como “Dois Irmãos” e “Velho Chico”, o sucesso dessa trama se deve à identificação do público brasileiro com clichês comuns dos melodramas –histórias de superação, romances idealizados, ascensão social e relações familiares intensas.
Essa estrutura se reflete nas personagens, como destaca o ator Victor Sparapane, conhecido por seu trabalho no seriado “Malhação”, em 2012, que interpreta o bilionário Sebastião Torres. Para ele, a narrativa aposta em um herói bem delineado como um homem enigmático, viril, uma espécie de Batman. Já a mocinha é doce e determinada, remetendo aos contos de fada.
Após o sucesso de “A Vida Secreta do Meu Marido Bilionário”, nasceram outras produções brasileiras na plataforma. A mais recente “De Volta ao Jogo”, que estreou no final de julho e hoje está no topo do ranking, com mais de 40 milhões de visualizações.
A trama é mais voltada à superação –Mariana, uma mãe solteira, termina com seu primeiro amor sem revelar que estava grávida. Seis anos depois, o sujeito retorna como uma estrela do futebol e se torna chefe dela, reaproximando os dois de um final feliz.
A atriz Anna Rita Cerqueira, que vive a protagonista e já atuou em novelas da Globo como “A Vida da Gente” e “A Lei do Amor”, conta que conheceu o ReelShort quando foi fazer o projeto. Ela diz perceber que o modelo de consumo ágil das micronovelas se adequa aos novos hábitos do público, dispensando uma fidelidade a longo prazo. “É algo que prende a pessoa. Faz ela querer continuar assistindo.”
“Existe hoje um consumo muito grande de conteúdo ‘mobile first’ [voltado para o celular], justamente porque as pessoas costumam assistir em momentos inesperados ou inoportunos”, diz Pinto. “Às vezes estão no trem, no ônibus. Nessas pausas do dia, buscam algo rápido, leve e envolvente para assistir.”
Segundo Mauro Alencar, especialista em teledramaturgia, esse tipo de microdrama tem forte apelo por sua estrutura acessível e por tocar em arquétipos universais e atender a uma necessidade humana por histórias de sentido de imediato.
Ele aponta como exemplo o fenômeno das novelas turcas, que conquistaram também o Brasil. Para Alencar, o sucesso dessas produções reside justamente na sua simplicidade e previsibilidade.