RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A aposentada Hilária Mireski, 60, trabalhou por quase uma década varrendo as ruas da cidade de Itaiópolis, em Santa Catarina. Sua rotina era sempre das 7h às 17h debaixo de muito sol. Segundo ela, seu dia a dia era normal até outubro de 1998, quando percebeu manchas em seu corpo.

“Começou a sair umas pintas no rosto, nas costas, nos olhos e na cabeça”, relembra. Por causa dos sinais, ela precisou fazer uma biópsia, que acusou um carcinoma basocelular (CBC), um tipo agressivo de câncer de pele.

Mesmo trabalhando sob altas temperaturas, a aposentada conta que não se cuidava como deveria. “Não sabia o que era um protetor solar. Não se falava como se fala hoje”, diz.

Na época, iniciou o tratamento e precisou sair do trabalho para conseguir fazer sessões de radioterapia. Durante o acompanhamento médico, os tumores sempre voltavam, o que intrigava os especialistas. Foi então que Hilária fez um exame específico e descobriu que tinha síndrome de Gorlin-Goltz, doença genética causada por uma mutação no gene chamado PTCH1, associada a risco aumentado de vários tipos de tumores.

A condição leva ao crescimento descontrolado de células, o que resulta no desenvolvimento de tumores que podem ocorrer desde a infância. “Os tumores de pele são mais comuns na fase adulta”, explica Décio Lerner, coordenador do Centro Avançado de Oncologia do Hospital São Vicente de Paulo (RJ). Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem, a prevalência é de 1 para cada 60 mil nascidos vivos.

“Em termos clínicos, significa um risco elevado durante toda a vida de desenvolver estes múltiplos tumores de pele, que podem se tornar cada vez mais difíceis de serem retirados por cirurgia e que causam deformações e cicatrizes severas”, afirma Lerner.

Com o passar do tempo, foram descobertos tipos de tumores que agiam de forma agressiva. Como não podia mais receber radiação como tratamento — o processo pode induzir novos tumores-, ela passou a fazer quimioterapia oral.

Em 2018, a aposentada precisou entrar na Justiça para continuar com as sessões de quimioterapia, ficando nove meses sem o tratamento, o que piorou os sintomas.

“Esse remédio é uma excelente opção para ela e consegue ter um controle bom sobre a doença. Não posso dizer que vai curar a síndrome de síndrome de Gorlin-Goltz, mas é excelente para o tratamento e sintomas”, pondera Rodrigo Guindalini, oncologista especializado em oncogenética e membro do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida. Em pacientes como Hilária, em que há uma síndrome envolvida, dificilmente cirurgias para retirada de tumores são indicadas. Por isso, terapias são a melhor forma de tratamento.

“Existe a possibilidade de utilizar terapias alvo, que atuam diretamente sobre o gene responsável pela mutação, bloqueando seu funcionamento alterado. Elas funcionam, mas elas têm efeitos colaterais importantes também. O paciente perde os cabelos, ele perde o paladar e o que se faz, e é um bom tratamento, é usar intermitentemente esse remédio”, explica João Duprat Neto, líder do Centro de Referência em Tumores Cutâneos do A.C.Camargo Cancer Center.

Hilária sentiu os efeitos colaterais da medicação e, por isso, sua rotina se limitou a tarefas domésticas. Atualmente, ela recebe um salário mínimo por mês (R$ 1.518) e não tem como arcar com o tratamento. O medicamento usado para essa terapia, por exemplo, custa mais de R$ 30 mil, o que, segundo Hilária, é quase impossível de custear, se não for disponibilizado de forma judicial e gratuita. Ela ainda faz uso de outras medicações e gasta cerca de R$ 800 todos os meses só com remédios.

Por causa da doença, ela foi aposentada por invalidez e depois por idade. Atualmente, ela faz vídeos e lives no Tik Tok pelo perfil (@hilariaguerreira) para conseguir uma renda extra e tentar se manter ativa, já que está em tratamento há mais de 27 anos. Mas nem sempre consegue monetizar. “Eu queria que as pessoas soubessem da doença e por isso criei a página. Mas uma vez só consegui R$ 48. Foi muito pouco”, diz. Ela também disponibiliza seu PIX nas redes sociais para receber doações.

Em 2019, por causa da invasão do tumor em outros órgãos, Hilária precisou retirar um dos olhos e também perdeu parte do nariz. Devido ao procedimento cirúrgico, a aposentada teve diversas crises de ansiedade e até síndrome do pânico. “A gente disfarça, mas só o coração sabe que não estamos bem. A gente está sorrindo, feliz, mas só a gente sabe, não tem como explicar”, diz.

Por causa da medicação, ela também não conseguiu recuperar os cabelos, que começaram a cair com frequência e não voltaram a nascer. Segundo Guindalini, a alopécia acontece com 64% dos pacientes. “Pode dar ainda diarreia, fadiga, espasmos musculares e outros efeitos”, destaca o médico.

Quando fala de futuro, ela diz que sonha em reconstruir seu nariz e ter uma casa com o esposo. “Moro na casa da minha filha. Eu queria ter uma casinha para mim e para o meu companheiro”, diz.