SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes que pôs Jair Bolsonaro (PL) em prisão domiciliar na segunda-feira (4) elenca de episódios de até 30 horas antes.
As ocorrências, segundo o magistrado, violaram as cautelares impostas ao ex-presidente em 18 de julho.
No período, Bolsonaro apareceu na tela de telefones de aliados durante protestos, mandou mensagem a apoiadores, e seus filhos fizeram publicações nas redes sociais que foram interpretadas por Moraes como tentativas de intimidar o STF.
No sábado (2), em Marabá (PA), durante encontro do PL Mulher, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) chorou ao ouvir o coro de apoiadores e afirmou que o marido “gostaria de poder entrar no telão” do evento.
A cena, embora não mencionada na decisão de Moraes, antecipou o tipo de participação por chamada de vídeo que embasaria a prisão domiciliar do ex-presidente.
Como antecipou a coluna Mônica Bergamo, da Folha, Michelle rejeitou pressões para ir à avenida Paulista no domingo (3) e manteve a agenda no Pará.
Na manhã de domingo, às 11h06, nos atos em Belo Horizonte, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) apareceu em um telão. Dos Estados Unidos, disse a manifestantes que, se tivesse permanecido no país, já estaria preso, assim como os acusados nos processos do 8 de Janeiro.
“Ninguém faz nada sozinho. Se vocês não estivessem nas ruas, essas imagens não estariam correndo o mundo; eu não estaria aparecendo na imprensa internacional nem conseguiria manter contato e sustentar, junto ao eurodeputado Dominik Tarczynski, o pedido para que agora, com mais 15 deputados europeus, se busque sancionar Moraes também na União Europeia”, afirmou Eduardo.
“Em breve, nem Paris haverá mais para eles”, disse. Na decisão da prisão de Bolsonaro, Moraes afirma que essas falas “corroboram a atuação coordenada dos filhos de Jair Messias Bolsonaro a partir de mensagens de ataque ao Supremo Tribunal Federal com o evidente intuito de interferir no julgamento”.
Minutos depois, às 11h18, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) interrompeu o discurso de um apoiador e mostrou o celular com uma videochamada com o ex-presidente ao público. Antes de exibir Bolsonaro, ele diz, apontando para o celular: “Você não pode falar, mas eu falo”.
Em seguida, pergunta se pode mostrar o celular para o público, e parece receber uma resposta afirmativa do ex-presidente.
“Pessoal, só um minutinho. Ele não pode falar, porque não estamos em uma democracia. Mas eu acredito que ele possa ver. Belo Horizonte: Jair Bolsonaro”, disse.
Pouco antes das 13h, no Rio de Janeiro, durante o ato em Copacabana, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) fez uma ligação em vídeo com o pai. O ex-presidente disse: “obrigado a todos. É pela nossa liberdade, nosso futuro, nosso Brasil. Sempre estaremos juntos”.
O senador publicou o vídeo em seu perfil no Instagram e depois o apagou.
Para Moraes, “agindo ilicitamente, o réu Jair Messias Bolsonaro se dirigiu aos manifestantes reunidos em Copacabana, no Rio de Janeiro, produzindo dolosa e conscientemente material pré-fabricado para seus partidários continuarem a tentar coagir o Supremo Tribunal Federal e obstruir a Justiça, tanto que, o telefonema com o seu filho, Flávio Nantes Bolsonaro, foi publicado na plataforma Instagram”.
“O senador apagou a postagem em um claro intuito de omitir o descumprimento das medidas cautelares praticado por seu pai”, segue o ministro.
Moraes também cita na decisão uma publicação de Flávio Bolsonaro em que o senador aparece em cima do carro de som do protesto com a legenda em inglês: “Thank you, America, for helping us to rescue our democracy! [Obrigado, América, por nos ajudar a resgatar nossa democracia!]”.
O magistrado encara a legenda como “uma clara manifestação de apoio às sanções econômicas impostas à população brasileira” pelos EUA.
Às 13h30, no canal oficial do pastor Silas Malafaia começou a transmissão do ato na avenida Paulista.
Cerca de uma hora depois, no evento em frente ao Masp, Eduardo Bolsonaro apareceu em uma chamada de vídeo com o deputado estadual Paulo Mansur (PL-SP) e agradeceu aos apoiadores. Um vídeo que registra o momento foi publicado nas redes de Eduardo e citado na decisão de Moraes.
Por volta das 15h10, desta vez sobre o trio elétrico em São Paulo, o deputado Nikolas ergueu o celular e exibiu novamente Bolsonaro por videochamada. No microfone, Ferreira chamou Moraes de “violador de direitos humanos” e pediu sua prisão.
“Isso daqui, Jair Bolsonaro, é a tua força, mesmo estando preso dentro de casa. Essa é a sua força, a sua voz, as sementes que você deixou para o nosso país”, disse, com o celular voltado para a multidão.
Na decisão, Moraes escreveu: “o réu atendeu ligação por chamada de vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira, oportunidade em que o parlamentar utilizou Jair Messias Bolsonaro para impulsionar as mensagens proferidas na manifestação na TENTATIVA DE COAGIR O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E OBSTRUIR A JUSTIÇA”.
Às 15h36, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ) fez uma publicação na rede social X pedindo para que usuários seguissem a conta do pai. A imagem mostra Bolsonaro de tornozeleira e segurando o celular, observando imagens das manifestações.
Segundo Moraes, Carlos agiu “tendo conhecimento das medidas cautelares como a restrição ao uso de redes sociais, impostas a seu pai”.
No fim do dia, aliados do ex-presidente comemoravam os atos, vendo militância ativa. Havia temor de de esvaziamento nas manifestações, seguindo tendência anterior, por causa do recente tarifaço de Donald Trump a produtos brasileiros.
Mas o comparecimento foi melhor do que esperado 37,6 mil pessoas estimadas na Paulista, e o presidente americano acabou exaltado por manifestantes.
Na tarde de segunda (4), Flávio disse à Folha que a ausência de governadores de direita nos atos foi “um erro estratégico gigante”, e que o momento mostrou quem está disposto a “resgatar a nossa democracia junto com a gente”.
Ele evitou citar nomes, mas não foram ao ato os governadores Tarcísio de Freitas (PL), de São Paulo; Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais; Ratinho Jr. (PSD), do Paraná, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás.
A decisão de Moraes pela prisão domiciliar de Bolsonaro veio no início da noite do mesmo dia.