SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O tarifaço imposto pelos Estados Unidos ao Brasil cria um ambiente político favorável ao presidente Lula (PT), mas é pouco provável que a retórica da soberania se converta numa frente ampla aos moldes de 2022.

Os partidos de centro, avaliam cientistas políticos, buscam uma candidatura própria, e o atual momento político apresenta diferenças importantes em relação às eleições passadas, como a mudança do governo americano e a própria ausência de Jair Bolsonaro (PL) no poder.

Do mesmo modo, o terceiro mandato de Lula tem sido marcado por sua dificuldade de negociação e de tomada de decisão. Nesse sentido, o Planalto teria de mostrar habilidade de liderança para capitalizar os efeitos do tarifaço, que só serão sentidos a longo prazo.

Para Paulo Henrique Cassimiro, professor de ciência política da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a tendência é de fortalecimento da direita, inclusive depois das eleições.

“Penso ser temerária a previsão de que a interferência americana no Brasil possa gerar uma coalizão a favor de Lula. O centrão não deixou de negociar com Bolsonaro por um nome seu”, diz ele.

“Ao mesmo tempo, é a chance que Lula tem de salvar o mandato e ser reeleito. Só que critico muito a incapacidade de seu governo de decidir e realizar aquilo que pretende.”

Com o anúncio do tarifaço, o Planalto lançou uma nova campanha publicitária sob o lema “Brasil Soberano”, com vídeo veiculado na TV e nas redes sociais.

A peça esmerou-se no uso das cores bandeira brasileiras, antes um distintivo bolsonarista, e buscou provocar o sentimento patriota no espectador, mostrando imagens de florestas, plantações e pessoas de diferentes estratos e origens sociais.

“É ‘my friend’ [meu amigo], aqui quem manda é a gente. O Brasil é soberano, o Brasil é dos brasileiros”, afirma o narrador, a certa altura do vídeo.

“Soberania é um conceito de difícil apreensão para a população em geral. O material do governo poderia explicá-lo melhor”, avalia Cassimiro.

Em paralelo, a defesa da soberania ensejou algumas mobilizações de setores da sociedade civil. Nove ex-ministros, de diversos governos, publicaram uma carta manifestando repúdio às decisões do presidente americano Donald Trump contra o Brasil, incluindo a proibição a ministros do STF de entrar nos EUA.

Na lista de signatários, figuram Miguel Reale e José Carlos Dias (Fernando Henrique Cardoso), Tarso Genro e Eugênio Aragão (Lula), além de José Eduardo Cardozo (Dilma Rousseff) e Raul Jungmann (Michel Temer).

Dias antes do tarifaço entrar em vigor, a faculdade de Direito da USP realizou em sua sede, no Largo de São Francisco, o Ato pela Soberania, que reuniu entidades como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a UNE (União Nacional dos Estudantes).

Na ocasião, foi lida uma outra carta, que destacava ser inegociável a soberania do país. O ato fora inspirado num protesto similar, ocorrido em 2022, no mesmo Largo de São Francisco, com o objetivo de resguardar a democracia. À época, Bolsonaro estava no poder, prestes a tentar a reeleição.

Naquela altura, 3.000 pessoas, entre banqueiros, empresários, atores e juristas, deram apoio à frente ampla que viria a se formar, com Geraldo Alckmin, nome até então ligado à centro-direita, como vice na chapa de Lula.

Professor de ciência política da FGV Marco Antonio Carvalho Teixeira afirma que o tarifaço criou uma desconfiança sobre a capacidade da oposição em proteger os interesses nacionais.

Ele vê, no entanto, muitas diferenças entre o contexto de 2022 e o atual, a começar pela ausência de Bolsonaro na Presidência.

“O risco de golpe era interno e, em boa medida, não tivemos uma ruptura democrática porque Joe Biden não bancou”, diz Teixeira, acrescentando que é improvável a reedição de uma frente ampla.

Ele pensa que o governo teria de agir para manter o momento político favorável até a eleição e que, se de fato o tarifaço tiver efeitos devastadores para a economia, a tendência é o fortalecimento de um nome de direita. Por isso, essa é a aposta do bolsonarismo.

A medida de Trump impõe agora sobretaxas de 50% aos produtos brasileiros, com potencial para diminuir exportações. O mercado americano é o segundo principal destino das vendas das empresas do Brasil, só perdendo para a China. Entre os produtos que serão mais atingidos, estão o café e a carne.

Professor de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Leonardo Avritzer não pensa ser tão improvável assim uma aliança por Lula em 2026, mas também vê diferenças importantes entre aquele momento político e o atual.

Ele lembra que, à época, Bolsonaro injetava recursos no Auxílio Brasil, de modo a angariar popularidade, um desafio para o seu concorrente nas eleições presidenciais.

“Lula tem atualmente desafios bem mais amplos do que vencer Bolsonaro”, afirma Avritzer. “Se os setores do agronegócio, hoje à direita, forem muito prejudicados com o tarifaço, talvez haja uma mobilização por Lula.”

Avritzer também afirma que o conceito de soberania não é tão subjetivo e que, em geral, a população é sensibilizada por peças publicitárias sobre o tema. O especialista lembra que as justificativas de Trump para o tarifaço –uma suposta perseguição a Bolsonaro, agora réu pela trama golpista–, são frágeis.

“Se um país interfere nas instituições dos outros, acho que esse é um recado claro para a população de que isso não pode ocorrer”, afirma Avritzer.