BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Desde 2024, o governo do Azerbaijão realiza um retiro para negociadores de vários países que participam da COP, a conferência de clima da ONU (Organização das Nações Unidas), com o objetivo de distensionar os debates e criar um espaço menos formal.

Na edição deste ano, entre uma discussão e outra, um tema foi tratado informalmente pelos delegados: a crise de hospedagem que ameaça a realização do evento deste ano, marcado para novembro, em Belém.

Três diplomatas, inclusive um do próprio Azerbaijão, confirmaram à reportagem que os preços exorbitantes de hotéis foi tópico de conversas entre os negociadores. Segundo ele, isso ilustra a magnitude que o tema tomou no debate climático e também o risco que ele apresenta para a COP30.

A avaliação é que, até aqui, a crise ainda não afetou diretamente as negociações em si, uma vez que a presidência brasileira conseguiu avançar com os textos durante os debates preparatórios que já aconteceram.

Porém, a chateação de diversos países com os preços elevados das diárias vêm aumentando, o que faz com que o assunto seja tratado em pausas para o café e conversas de corredor.

O tema se tornou um burburinho recorrente entre os negociadores e contamina as conversas cada vez mais, na avaliação de pessoas que acompanham as tratativas.

Se o problema não for resolvido, há o risco de delegações cancelarem a vinda ao Brasil, o que coloca em xeque a credibilidade de acordos firmados durante a conferência.

Procurada, a organização da COP30 não respondeu.

Como revelou a Folha de S.Paulo, dezenas de países -ricos e em desenvolvimento- assinaram uma carta pressionando o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a retirar a COP30 de Belém, sob a principal reclamação de que os preços de hospedagem estão muito altos.

O argumento é de que países com economias menores não têm condições financeiras de arcar com esse custo.

A ONU fornece a diplomatas uma diária de pouco menos que US$ 150 (R$ 812) para hospedagem, alimentação e transporte e, segundo o cálculo destas nações, seria possível gastar no máximo metade disso com os hotéis.

No entanto, mesmo as acomodações mais baratas oferecidas pela organização da COP30, especialmente para as nações em desenvolvimento, não saem por menos de US$ 100 (R$ 541).

Na última quarta-feira (6), o presidente da Áustria, Alexander Van der Bellen, disse que não virá a Belém, em razão dos custos.

Está prevista para a próxima quinta-feira (14) uma nova rodada de reunião entre os negociadores, na qual o Brasil prometeu apresentar respostas para tentar amenizar as críticas.

Segundo informações obtidas pela reportagem com negociadores, o tema é tratado entre diplomatas pelo menos desde fevereiro, mas ganhou traços mais graves na conferência pré-COP de Bonn, na Alemanha, em junho.

Houve pelo menos duas reuniões entre países presentes em que o tema foi tratado, com representantes brasileiros.

No final de julho, durante o retiro no Azerbaijão, a elaboração da carta, que foi firmada por 25 países, já havia aparecido nas conversas informais.

A pressão escalou a níveis inéditos com o documento, finalizado logo depois e enviado ao secretário-extraordinário da COP30 na Casa Civil, Valter Correia, e ao secretário-executivo da UNFCCC (o braço de clima da ONU), Simon Stiell.

Desde que foi anunciada em Belém, a logística vem sendo um dos pontos problemáticos da organização do evento, que já alugou cruzeiros, financiou a reforma de hotéis e mobilizou casas para aluguel de Airbnb para tentar resolver o problema.

Internamente, pelo menos por enquanto, a expectativa é de que os preços de hospedagem comecem a baixar, uma vez que a oferta de acomodações aumentou razoavelmente na cidade -chegou a 53 mil leitos, mais do que os 50 mil previstos como necessários para realizar o evento.

O setor hoteleiro, porém, vem sendo criticado por não aceitar negociar condições com o governo Lula. Como mostrou a Folha de S.Paulo, as empresas também se recusaram a prestar explicações sobre os valores ao Ministério da Justiça.

Entre pessoas que acompanham o tema há a sensação de que, se o problema não for resolvido, a conferência corre o risco de ser esvaziada o que, então, poderia significar um prejuízo enorme para as negociações.

Como definiu um diplomata brasileiro, a crise vem sugando a energia dos negociadores, que a esta altura deveriam estar focados nas discussões climáticas. Caso a tensão siga até novembro, isso pode afetar o humor dos delegados e dificultar acordos.

Além disso, qualquer texto pactuado sem a presença de todos ou de uma maioria esmagadora das delegações pode, depois, ser questionada por quem não compareceu.

Em um primeiro momento, a postura dos diplomatas brasileiros era de que assuntos de logística deveriam ser tratados com o governo Lula, via Casa Civil.

Mas o próprio presidente da COP30, André Corrêa do Lago, admitiu que o cenário mudou a partir dos pedidos feitos por dezenas de países, dentro dos ambientes formais da UNFCCC, o que trouxe a crise para dentro das negociações.

Por outro lado, há organizações que saíram em defesa de Belém.

“Belém está pronta para discutir respostas pé no chão à emergência do clima e para inspirar o mundo com a realidade que só os povos e as paisagens amazônidas podem revelar”, afirmou o Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Já o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, afirma que o governo Lula (PT) foi negligente com o tema e não deveria ter permitido que a crise chegasse a este ponto, esbarrando inclusive nas conversas diplomáticas.

“Esse movimento agora da carta dos 25 países, ela muda um pouco o panorama do jogo. O tema não é mais um burburinho na sala. É uma grita pública”, afirma.