SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Parte dos homens finalmente parece estar se movimentando para ser mais presente nos cuidados aos filhos. Alguns, inclusive, passaram a fazer o que as mulheres já fazem há séculos: assumir integralmente os cuidados com seus rebentos.

Dados levantados pelo Google Trends, exclusivamente para a Folha, indicam que, pelo menos o interesse por uma paternidade mais responsável está crescendo no Brasil de forma acelerada.

A busca por “o que significa ser pai” teve aumento de 580% no comparativo de 2020 e de 2025 -os sete primeiros meses. A procura sobre o conceito “pai solo” teve salto de 180% no mesmo período.

Já as perguntas “como ser um pai melhor?” e “como ser um bom pai?” foram as mais buscadas nos últimos cinco anos.

O arquiteto Thiago Lopes Camargo Ferreira, 42, toma conta sozinho dos quatro filhos pequenos há pouco mais de dois anos. Ele deixou o trabalho para dar conta do dia a dia das crianças: Dante, 7, Cauê, 5, e os gêmeos Zay e Chloé, 3. Mostrando a rotina nas redes sociais, já ganhou 1 milhão de seguidores.

A família grande era plano feito com a mulher Rayssa, que morreu aos 36 anos em decorrência de um câncer, logo após a vinda dos gêmeos.

“A gente não tem o costume de se preparar para a morte. Então, quando uma coisa dessas acontece, precisa se reinventar e se apoiar muito em Deus. Vou aprendendo no percurso, evoluindo dia a dia entre erros e acertos. Tenho que tentar acordar bem, transmitir alegria para as crianças, transmitir força para elas. Tem dias que caio, que não estou bem, que bate um vazio e uma tristeza, mas tenho de seguir em frente”, afirma Thiago.

O seguir em frente do pai solo implica acordar por volta das 5h e preparar o café da manhã e as lancheiras da escola antes que a prole desperte. “Tenho incentivado e deixado eles se trocarem sozinhos para agilizar um pouco.”

Os pequenos ficam o dia todo no colégio enquanto o pai ajeita a casa, as roupas, faz a comida da família, lava louça e cuida das parcerias na internet e do perfil @pai.solo.thiago no Instagram, o que tem dado o sustento de todos.

“Quando eles chegam da escola, brincamos um pouco no prédio, depois arrumo o jantar. Tomamos banho e eles já vão para a cama, antes das 21h. Aos finais de semana, inventamos bagunças diferentes”, diz Thiago, cujos pais já têm mais de 80 anos e não conseguem dar um suporte mais rotineiro. A sogra ajuda como pode.

O filho mais velho, Dante, tem síndrome de Down e, às vezes, demanda uma atenção mais próxima, mas sem diferenciações. “Ele é cobrado do mesmo jeito, toma bronca. Não tem nada de ficar passando mão na cabeça. Isso trouxe muita evolução para ele, de entender como é estar em sociedade. Ele não tem um tratamento diferente por conta disso.”

Para o arquiteto, mudanças sociais, a possibilidade de guarda compartilhada e a maior visibilidade das relações nas redes impactaram em mais reflexão e conscientização dos pais com os filhos.

“No meu caso, tive uma referência forte de paternidade presente e isso me impede de imaginar uma vida em que eu deixaria meus filhos para trás, ainda mais sabendo o quanto a perda da mãe deles poderia pesar no psicológico.”

De acordo com a advogada Ana Carolina Senna, especialista em direito de família e presidente do IBDFAM/DF (Instituto Brasileiro de Direito de Família), o número de pais que exercem a paternidade solo “está aumentando muito” e não apenas aqueles que perdem a parceira ou parceiro.

“Observamos o crescimento mesmo nos casos em que a mãe existe, tem condições de cuidado, em acordo ou com decisão judicial”, afirma.

Segundo a especialista, há uma evolução social da responsabilização de ser pai. “Aos poucos estamos vendo desaparecer a figura do pai lazer, do pai McDonald’s, que só convive aos domingos, passeia e depois volta para a casa. O pai agora participa do cotidiano, das atividades da criança, das obrigações, o que beneficia os filhos.”

Ana Carolina declara que é direito da criança ter ambos os pais participando de sua vida e de sua criação e que é dispositivo constitucional a igualdade parental. “É dever da sociedade, do Estado e da família resguardar os direitos da criança ou do adolescente. Independentemente de estar casado, o pai tem a função parental, a obrigação, de até os 18 anos, ter o cuidado com a vida do filho.”

Ela ressalta ainda que, embora o quadro esteja melhorando, ainda é “absurdo no Brasil” o número de crianças que não tem o nome do pai na certidão de nascimento.

Entre janeiro e julho do ano passado, cerca de 91 mil crianças foram registradas no Brasil sem o nome do pai na certidão, de acordo com dados do Portal da Transparência da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais. Desde o início do levantamento, em 2016, a quantidade de filhos de pais ausentes é de mais de 1,2 milhão.

A especialista afirma que o pai solo precisa ter uma regulamentação judicial da situação, mesmo que consensual, para uma guarda segura, e que há direito a pensão.

Outro que leva uma rotina integral com os cinco filhos é Daniel Rocha Braz, 33. João, 5, Yarah, 7, Wendel, 10, Douglas, 14 e Harry, 8, são frutos de adoção realizada com o marido, Jhonatan Williantan da Silva, que morreu em 2023 por dengue hemorrágica.

Daniel Rocha Braz e seus cinco filhos, frutos de adoção: da esquerda para a direita, Yarah 7, Wendel 10, Douglas 14,Harry, 8, e João, 5 Arquivo pessoal A imagem mostra um homem sentado em um banco, segurando um gato preto e branco. Ele está cercado por seis crianças, que estão sorrindo e posando para a foto. As crianças estão vestidas de maneira colorida, com uma delas usando um vestido rosa e azul. O fundo da imagem é de uma parede cinza. **** Para dar conta da família, Daniel deixou o serviço público, onde atuava como técnico de enfermagem. Com o desempenho nas redes sociais -@paide5daniel- , ganha apoio de marcas, mas, ainda assim, vende pudim pelas ruas de Rio Claro, no interior paulista, para o sustento do quinteto.

“Já fui chamado de vagabundo. Hoje entendo como muitas mães solo sofrem. Não trabalho não é por luxo. É porque tenho crianças para dar prioridade. Às vezes, elas ficam doentes e preciso atender correndo. A minha vida é que nem o Samu, fica ali atento para um resgate a qualquer momento”, diz,

Daniel deixou o interior do Ceará fugindo do preconceito a sua sexualidade e em busca de uma vida melhor. Em SP, apaixonou-se por Jhonatan, que tinha o sonho de uma família grande.

“Foi um encontro de almas mesmo. A gente era bem carne e unha, alma gêmea. Imagina você aceitar cuidar de cinco crianças? No começo foi difícil para todos nós. Mas, com o tempo, fomos ganhando o coração delas com carinho e com confiança.”

Assim como Thiago, Daniel teve de conciliar o luto da perda com as responsabilidades com a família. Ele enfrentou um quadro de depressão, de ansiedade e de obesidade após a perda.

“Percebi que estava me enterrando junto com o meu luto. A última palavra do Jonathan foi para eu cuidar das crianças, não abandoná-las, e isso ficou martelando em mim.”

Ele já passou pela fase mais crítica. “Estava adoecendo física e emocionalmente, escondendo a dor para proteger os pequenos. Me resgatei do fundo do poço, com a ajuda de Deus e dos meus filhos. Escolhi viver por eles e por mim.”

TERMOS RELATIVOS A “PAI” MAIS BUSCADOS NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS, SEGUNDO O GOOGLE TRENDS

1. Como ser um pai melhor?

2. Como ser um bom pai?

3. Como ser um pai presente?

4. Como ser pai de menina?

5. Como ser um pai de verdade?