SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Ei, lindo, você é trilionário!”
Você mesmo: Deive Leonardo está falando com você. Num mundo onde tantos morrem sem conhecer Jesus, “o Evangelho chegou até você”, ele continua o raciocínio que arrebata multidões ao vivo e online, mas que parece especialmente endereçada a cada um que lhe assiste.
A linguagem direta, que soa personalizada, com forte voltagem emocional, é a marca de um dos mais populares evangelistas brasileiros hoje.
O catarinense de 35 anos vira e mexe é confundido, sobretudo por quem não professa sua fé evangélica, com um pastor. Não é, mas lidera rebanhos digitais maiores do que qualquer líder de igreja no país.
Os números são superlativos. No Instagram, seguem-no 16,6 milhões. No YouTube, são mais de 10 milhões de inscritos. Neste domingo (10), a Netflix estreia novo conteúdo proselitista com ele.
Na semana seguinte, Deive começa o que descreve como “a maior tour, a maior cruzada evangelista” que o Brasil já viu, com passagem por seis capitais, começando por Manaus no dia 17 e terminando no paulistano vale do Anhangabaú, dia 30. Prevê reunir meio milhão no total, sem cobrar ingresso.
Deive evangeliza com linguagem de Instagram, ritmo de show e estética de cinema. Da influencer Virginia ao jogador Neymar, as celebridades o amam amigo mesmo ele é de poucas, como os sertanejos Sorocaba e Simone, afirma.
Evangélicos não são os únicos a acompanhá-lo. Católicos às vezes superam a metade da audiência, e tem muito espírita também, diz à Folha de S.Paulo. Todos, na sua pregação, viram “lindos” e “lindas”. Alto em teor bíblico adicionado, seus vídeos curtos para as redes sociais tocam em temas que angustiam milhões.
A crise conjugal é um deles. Dia desses, recomendou que ninguém desista do casamento. “Então, lindo, se recomponha, corre atrás do prejuízo, pede perdão se necessário for.”
O que mais tem hoje são “pessoas ansiosas, angustiadas, e sem sombra de dúvidas é uma mensagem que conecta com as dores do nosso tempo”, ele diagnostica.
Deive tem um ponto em comum com o bispo Bruno Leonardo, dono do segundo maior canal de YouTube do país só perde para a KondZilla, produtora de funk. Nenhum costuma mexer no vespeiro político, ao contrário de vozes com mais decibéis nessa seara, sendo a mais ruidosa delas a do pastor Silas Malafaia.
É verdade que, em 2022, tanto Bruno quanto Deive declararam apoio a Jair Bolsonaro (PL) no pleito presidencial no fim vencido por Lula (PT). O clima polarizado de “tudo ou nada” levou muitas figuras evangélicas a romper o habitual silêncio eleitoral e fazer o mesmo.
Deive não quer falar sobre isso. “Tenho por opção não me manifestar, até mesmo com relação ao passado”. Trata a “questão política” com “muito cuidado hoje em dia”, quando os ânimos estão tão acirrados, diz. “Prefiro falar sobre Jesus.”
Pois falemos. “Desde que me entendo por gente meus pais eram da igreja.” Mas Deive andou um tempo afastado desse ambiente. O pai, comerciante que à época vendia doces para mercados, teve “uma quebra financeira grande”, conta.
Acabou despejando “muitas palavras de maldição” na família, “com ignorância, dureza”, lembra. “Se você chama um filho de burro, está amaldiçoando ele. Até os 16 anos, nunca tinha ouvido meu pai falar que eu era amado.”
Deive fez as pazes com sua fé aos 19 anos. Sofria de depressão e cogitou suicídio. Sozinho no quarto, numa data que lembra até hoje, diz que teve “uma das orações mais sinceras” da vida. Era 23 abril de 2009 quando sua vida mudou, diz.
Vieram-lhe duas passagens bíblicas que, para ele, foram “guiadas por Deus”: Salmo 116 (“amo ao Senhor, porque ele ouviu a minha voz e a minha súplica”) e Isaías 60 (“levanta-te, resplandece, porque vem a tua luz, e a glória do Senhor vai nascendo sobre ti”).
Considera que sua conversão para valer começou aí. Depois disso, casou-se com a primeira namorada, que conheceu num jogo de vôlei e com quem hoje tem três filhos.
Foi ainda o primeiro da família com diploma universitário. Formou-se em direito, mas mal praticou o ofício. Não levava jeito, admite. Atuou como gestor num escritório de advocacia, e um cliente o passou para trás logo de cara. Levou calote.
O chamado para evangelizar não demorou também. “Não comecei a pregar porque queria ser pregador, comecei porque fui salvo.”
Deive frequenta a Igreja dos Filhos, em Joinville (SC). Incomoda-se com uma tendência em voga, a dos fiéis desigrejados, que se reconhecem evangélicos, mas não congregam numa instituição ele mesmo é apontado como parte do fenômeno, representando influenciadores digitais que bastam para saciar o apetite religioso de muitas pessoas, agora sem apego a um templo e pastor específicos.
“Um dos nossos esforços é sempre apontar para a igreja local”, diz. “Nossa vida não é um evento, um vídeo de internet. A vida com Deus acontece na comunidade.”
Mas também não se furta a ressaltar “a descentralização da nossa mensagem”, com a comunhão presencial dividindo espaço com YouTube, Netflix e afins.
Suas pregações esbarram no que o teólogo Ranieri Costa chama de teologia coaching. “As mensagens do Deive, e essa é uma das maiores críticas que ele recebe, afagam o ego de quem escuta com uma promessa de que tudo o que essa pessoa precisa para lidar com suas incongruências está necessariamente dentro de si.”