SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma roda de pessoas de braços cruzados se forma. Curiosos, eles observam três dançarinos, cada um com sua luva, cruzando as pernas para completar passos de uma dança que começava a ser praticada no Brasil —o break.

A descrição é de uma das imagens presentes na exposição “Hip-Hop 80’sp – São Paulo na Onda do Break”, em cartaz no Sesc 24 de Maio, na capital paulista. Ela compõe, junto a roupas de época e recriadas, equipamentos de som, flyers, filmes, discos e recortes de jornais e revistas, o cenário da chegada do movimento hip-hop no país.

“Contamos a história da primeira geração que absorveu esse meteoro que veio dos Estados Unidos nos anos 1980 —de que forma isso foi entendido, filtrado e abrasileirado”, diz Gustavo Pandolfo, que faz parte da dupla Osgemeos, que assinam a curadoria ao lado de outros pioneiros do hip-hop no Brasil, como Rooneyoyo O Guardião, KL Jay, Thaíde, Sharylaine, Rose MC e Alam Beat.

A mostra destaca a chegada do hip-hop ao país enquanto movimento, com enfoque especial no grafite e na dança, além dos MCs e DJs do rap. “O que explodiu aqui mesmo foi a dança, mas sempre vinha junto com a música”, afirma Alam Beat, DJ do Sampa Crew e b-boy. Para a rapper Sharylaine, essa cultura chegou através dos bailes, que já existiam desde os anos 1970. “Conheci o hip-hop no baile, através do breaking, e os DJs tinham que tocar os breakbeats para os b-boys e b-girls dançarem.”

Um dos pontos de encontro de dança —que incluíam também a praça Roosevelt, o parque Ibirapuera e os arredores da estação São Bento do metrô— era justamente a esquina onde hoje fica o Sesc que abriga a exposição, entre as ruas 24 de Maio e Dom José de Barros, no centro da cidade.

Rooneyoyo, dono de grande parte do acervo da mostra, diz que começou a colecionar o material a partir de uma revista do começo de 1983 que trazia uma reportagem sobre o breaking. Ele trabalhava no centro e conheceu a dança justamente na roda da 24 de maio, comandada pelo lendário Nelson Triunfo, que é figura constante na mostra, em imagens, textos e roupas.

“Hip-Hop 80’sp” começa na verdade antes da chegada do movimento ao Brasil. A primeira sala é dedicada a Nova York, berço do hip-hop, que desde 1973 já dava seus primeiros passos na metrópole americana. Há um filme inédito que o cineasta americano Michael Holman preparou para a exposição, com as primeiras imagens de batalhas de breaking nos Estados Unidos.

Destacam-se também as fotos inéditas de Martha Cooper, testemunha do período, e o documentário “Style Wars”, lançado em 1983 pelo fotógrafo Henry Chalfant, que destaca o grafite. Os desenhos ganham vida no ambiente, em especial os vagões do metrô nova-iorquino cobertos por pinturas. “O mesmo cara que começou a pintar, se envolveu com a dança e com a discotecagem”, diz Gustavo, um dos dois Osgemeos.

Um espaço da mostra é tomado pelos filmes que foram referência de dez entre dez integrantes do movimento hip-hop nos anos 1980 —entre eles “Flashdance”, “Beat Street”, e “Breakin’”— e inclui material original usado nas filmagens, como peças de roupa. Alguns desses longas foram exibidos em cinemas do centro de São Paulo e eram consumidos avidamente pelos fãs e curiosos daquela cultura.

“Hoje um jovem vê um vídeo e pega os passos. A gente tinha que ir ao local, ver o Nelsão [Triunfo] dançar para aprender. É só depois do filme, o ‘Beat Street’, que a gente começa a entender o que é o hip-hop”, diz Rose MC. Otávio Pandolfo, a outra metade de Osgemeos, se lembra de ficar o dia todo assistindo aos filmes para aprender os passos de dança.

“O ‘Flashdance’ não é um filme de breaking, mas tem uma cena emblemática de uns dois ou três minutos que tem os caras da Rock Steady Crew dançando na rua”, diz Rooneyoyo. “Para a nossa época, quando a gente viu isso, era referência máxima, inspiração para todo mundo. Tinha que ir ver no cinema umas dez vezes para ver rever aqueles dois minutos.”

São mais de 3.000 itens distribuídos nas salas. Há uma bateria eletrônica Roland TR-808, o mesmo modelo usado por Afrika Bambaataa para criar a música “Planet Rock”, seminal no rap. Também a recriação de roupas usadas por Michael Jackson, que popularizou passos de breaking, e até uma original de Tim Maia, ícone do soul, que junto ao funk de James Brown eram os gêneros mais sampleados e tocados por DJs de hip-hop.

A moda da época, desde o estilo futurista, passando pelas jaquetas pintadas à mão e os uniformes originais das equipes de dança, ganham destaque. As luvas, uma marca de estilo desse primeiro momento do hip-hop, também estão presentes. “Era para dar um efeito. Um cara no escuro, todo de preto, a luva branca se destacava”, afirma Alam Beat.

Um espaço recria como era o quarto de um DJ, com móveis, toca-discos, vinis e posters, inspirado na experiência pessoal de KL Jay, dos Racionais MCs. O ambiente inclui um mixer Gemini antigo que ele mesmo forneceu à mostra, além de uma espécie de discoteca básica de quem selecionava o que tocar para os b-boys e b-girls dançarem.

Toda uma extensa parede conta a história da pioneira roda de breaking da 24 de maio, comandada por Nelson Triunfo e com destaque para Ricardo, b-boy do grupo Funk e Cia. “O mais importante dessas rodas é a resistência”, conta Alam Beat. “Nessa época, era ditadura militar, e a polícia proibia a gente de dançar na rua. Às vezes levava à delegacia para averiguação. Quem não tinha carteira de trabalho registrada era levado como vagabundo. A dança na rua salvou muita gente da marginalidade.”

Outra parede é dedicada à primeira geração do grafite de São Paulo. “Começamos a ver que eles faziam grafite no metrô e fizemos a mesma coisa. Demorava uns 15 dias para pintar uma jaqueta, mas o cara andava com uma obra de arte na rua”, diz Otávio, da dupla Osgemeos. “A gente estava tentando descobrir um estilo, tinha muito pouca gente fazendo grafite no estilo hip-hop em São Paulo. Cada um pintava no seu bairro, e foi só no fim dos anos 1980 que começamos a desbravar a cidade.”

A sala principal de “Hip-Hop 80’sp” traz a réplica cenográfica de um vagão do metrô da linha azul onde acontecem oficinas dos quatro elementos do hip-hop. Ainda que tenha nascido nos passos, no cabelo black power e através das caixas de som de Nelson Triunfo na 24 de maio, o hip-hop se instalou nos arredores da estação do metrô. Foi lá, por exemplo, onde os integrantes dos Racionais se conheceram.

O espaço começou a ter movimento por causa dos b-boys João Break e Luisinho. “Quando o João chegava com o rádio, era a alegria da São Bento, porque precisava de música para dançar”, diz Alam Beat. “Os encontros eram sábado à tarde. Aí tem muita história.”

Uma delas tem a ver justamente com a falta de equipamentos para tocar música —e com uma lixeira. “Esse aqui era o instrumento da São Bento”, diz Gustavo, nas mãos a réplica de uma lata de lixo de metal, típica dos metrôs de São Paulo, que integra a mostra. “Usava-se rádio ligado na tomada, e às vezes o metrô desligava a energia —para você não usar a tomada, porque eles não queriam. Aí ficava sem música.”

As batidas na lata de lixo, recorda Rooneyoyo, davam o ritmo para os primeiros raps feitos de improvisação. “Foi ali que nasceu o primeiro beatmaker”, diz. “Todo mundo que frequentou a São Bento, como não tinha equipamento de som, acabou indo para o som da batida do lixo.”

HIP-HOP 80’SP – SÃO PAULO NA ONDA DO BREAK

– Quando Ter. a sáb., das 9h às 21h. Dom. e feriados, das 9h às 18h. Até 29 de março de 2026

– Onde Sesc 24 de Maio – r. 24 de Maio, 109, República, região central

– Telefone (11) 3350-6300

– Preço Grátis